Juca Gouveia

No silêncio do passado repousam grandes segredos. Nada como uma boa pesquisa e a leitura atenta de pistas aparentemente insignificantes para se chegar a revelações verdadeiramente surpreendentes. Assim está sendo a reconstrução da trajetória de João Carlos Gouveia, meu bisavô, pai de João Cunha Gouveia, a quem devo a conservação das peças do quebra-cabeça que agora monto com tanta satisfação. Estou adentrando nessa bruma espessa e encontrando um verdadeiro intelectual que, por ter tido um fim tão trágico, permaneceu por décadas sem ter seu merecido reconhecimento em Viana.

O poeta – João Carlos Gouveia, filho natural de D. Joanna Laudolina de Gouveia, nasceu em Viana, no dia 4 de novembro de 1887, à Rua de Santa Rita, canto com a Rua do Alecrim (que ruas seriam essas atualmente?). Juca, como era chamado, foi comerciante em Viana e também na localidade de Barradas, distrito de Monção. Em 7 de junho de 1916, foi nomeado para o posto de Capitão Ajudante de Ordens da 61ª Brigada de Infantaria da Guarda Nacional da Comarca de Viana e, em 31 de julho de 1919, foi nomeado para o cargo de Promotor Público, aos 31 anos de idade.

A produção literária – Entretanto, o que nos interessa é sua produção intelectual. Juca deixou ao filho um conjunto de cartas, diários pessoais, discursos que proferiu em Viana no alvorecer do século XX e, principalmente, um livro de poemas que jamais publicaria. Este livro surpreende não apenas pelos versos, mas, principalmente, pelo esmerado prefácio que enche os olhos de qualquer um. Iniciado em 1907, este livro destaca as influências literárias deste vianense amante dos livros e que tinha especial predileção por obras de Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias, Antero de Quental e William Shakespeare. Detalhe que não deixa de nos surpreender.

Juca diz o seguinte no prefácio de seu livro: “Ilusões perdidas, eis o broquel, de aço, fundido em lágrimas com que trago em publico e raso, os versos que rimei aos vinte anos, quando o meu coração era uma grande Lyra, cujas cordas vibravam tangidas pelos olhares d’uma hydra, que amei instantes do tamanho do século, sob a forma duma mulher bonita”. Mais adiante consta: “Entretanto, a tentar a concretização de meu primeiro desejo, caiu-me aos pés, esboroado, todo o fulgente palácio das minhas ilusões! E, transfigurado de dôr, metrifiquei as minhas lágrimas. São estes versos. Em cada uma de suas rimas, palpita, sangrando um pedaço do meu Coração. Fil-os para as almas que, como eu, têm o espírito dilacerado pelos cardos dos desenganos. Só elas me compreenderão e só para elas escrevi”.

Ao todo são 49 poemas de autoria deste vianense. Alguns desses poemas foram publicados de forma avulsa em jornais de São Luís, como O Estado, O Postal e O Martello. Há ainda 11 discursos que tratam marcadamente de questões educacionais e políticas – como a Guerra do Paraguai, a Proclamação da República e seus personagens e a ofensiva alemã no início do século XX – todos ufanistas e de profundo rigor patriótico. A vasta correspondência trocada com o intelectual Ribamar Pereira também surpreende. Em 1917, por exemplo, escreveu Ribamar a meu bisavô: “Já tive a satisfação de ler uma produção sua no “O Postal”. O seu espírito inteligente e bem educado soube compor uma formosa poesia que bem mostra a delicadeza da sua alma de poeta, talhada para as grandes concepções… os seus versos são límpidos arrebatando os corações mais rudes e severos”.

A paixão do poeta – Como um bom poeta romântico, Juca teve algumas musas. Destas, destaco a maior delas: Perolina da Cunha Gouveia (Sinhá), minha bisavó, jovem viúva de destacada beleza na cidade, irmã de Maroca da Cunha. Juca e Sinhá casaram-se em 31 de julho de 1915 e, desse consórcio, nasceram João Cunha Gouveia, meu avô, e Iracema Cunha Gouveia que morreu ainda na primeira infância.

Essa história de amor, no entanto, durou pouco. Em 10 de agosto de 1920, aos 31 anos, Perolina faleceu. Juca então escreveu poemas em sua homenagem e uma comovente carta intitulada A meus filhinhos onde procurou contar-lhes como era a mãe. Nela consta: “Ao escrever estas linhas que dôr imensa me compunge a alma… Como de um momento para o outro murchou a flôr mais bella do jardim da minha existência? Como desapareceu a estrella mais scintilante do firmamento do meu lar? E o que fazer meus filhinhos? Baixarmos a fronte e resignarmo-nos com a vontade de Deus e esperarmos que o tempo vá pouco a pouco com sua mão destruidora apagando a dor que nos dilacera o coração” .

O final trágico – Pouco mais de um ano após a morte da esposa, o poeta deu fim à própria vida. Na manhã do dia 24 de junho de 1922, Juca suicidou-se aos 33 anos com um tiro de revólver no ouvido direito por razões que ainda desconheço. Seu acervo de cartas, seus discursos e poemas permitem que aos poucos seja possível retirar este personagem do segredo e do embaraço que causava à família tratar do assunto. Sua memória merece, sim, muito respeito. Sua produção intelectual merece destaque e o “acervo Juca Gouveia” ainda tem muito para mostrar e encantar os vianenses.

Por Pollyanna Gouveia Mendonça

Veja abaixo duas poesias de Juca Gouveia:

Partida

Tu partes, e eu fico a meditar sozinho

Nesta dor que atroz o peito dilacera,

Ao contemplar a extensão do teu caminho

Fico chorando, bem sei: tudo é quimera.

 

Hoje que minh’alma tresloucada chora,

E a saudade cada vez mais aumenta;

Sinto o coração despedaçado, embora

Por esta dor, que tanto me apoquenta.

 

Não vejo mais no céu, a luminosa estrela

Que brilhara no azul do firmamento!

Para ti somente, compus esta novela

Com profundo pesar, com sentimento,

 

Então tu partes, já são horas? Eu fico

Sentindo, mais a mais pulsar o coração

Recebe, este cauto, e nela justifico

Somente a ti, sincera gratidão!

 

Tu partes nesta hora, p’ra teu berço amado,

Levas em tu’alma, os vagos sonhos meus?

Eu que de saudade fico repassado,

Inda de longe te direi adeus!


A Pátria Brasileira (*)

Salve! Oh pátria enriquecida e nobre!

Que a ti pertence o povo mais fecundo

Es tu que tens em frente os teus heróis

A ti aclamarem, o rei do novo mundo!

 

Formosa pátria de esperança nossa!

Nós contemplamos o teu céu de anil

És tu que outrora foste Santa Cruz

E és hoje, oh pátria, o colossal Brasil!

 

Pátria dos heróis, tu vives na minh’alma!

Na alma vives da mocidade inteira,

Que te cobre de benções e de glórias

E te faz dentre todas a primeira

 

Vão pouco a pouco aparecendo agora

Teus filhos destros para render-te o preito,

Esses que quando no florir dos anos

Já te abraçaram com fervor no peito!

 

Filha de Jeová, como és formosa!

Nenhuma nação o teu brilho empana

E ao vibrar do mais santo patriotismo

Te saúdam os moços de Viana!

 (*) Poesia recitada pelo autor, no dia 28 de julho de 1910, no salão do Paço Municipal (prédio da Prefeitura), em Viana, quando da comemoração do 87º aniversário da adesão do Maranhão à Independência do Brasil.