A agonia do Maracu

 

O rio Maracu, no município de Viana, é um dos muitos cursos de água doce do Maranhão marcados para desaparecerem do mapa aquático. Poucos rios, no entanto, têm sido tão fustigados pela ação criminosa do poder público quanto o Maracu. Há décadas seu leito começou a ser assoreado com a construção de passagens de terra, e as árvores que protegiam suas margens foram sendo dizimadas, numa escalada progressiva, inexorável. Isso ainda num tempo em que preservação ambiental era um termo dissonante na pauta dos governos e da sociedade civil.

Os anos se passaram, criaram-se leis específicas para a utilização dos recursos naturais; assinaram-se convenções para disciplinar a ação do poder público sobre o patrimônio natural; estabeleceu-se o consenso de que as políticas de desenvolvimento não podem desvincular-se da preocupação com o verde. Todo esse cipoal de boas intenções, no entanto, ficou restrito aos manuais e códigos de conduta.

O rio Maracu é uma espécie de fio condutor dos estoques de água doce de Viana. Ele se estende como uma ponte fluvial entre os lagos do Aquiri, na divisa com o município de Matinha, e de Viana, na fronteira com Penalva e Cajari. Decretar sua morte é assinar o atestado de óbito do ecossistema de uma vasta região da Baixada, que se mantém graças a um delicado equilíbrio de enchente e vazante. E, em última instância, é selar o destino de populações ribeirinhas, já tão massacradas pela ausência de políticas públicas.

Em que pese essa profecia sombria, o poder público segue massacrando os estoques de água doce de Viana sem dó nem piedade. Em 2001 o então prefeito Messias Neto (hoje falecido) entulhou o Lago de Viana a partir do Outeiro do Mocoroca até o Sacoã, numa extensão de mais de 1.000 metros. O argumento foi que era preciso evitar a invasão de água salgada, mas tudo o que conseguiu foi assorear ainda mais o leito do lago.

Anos antes, quando da construção de uma ponte de concreto sobre o Maracu, a construtora responsável pela obra aterrou o rio, na altura do povoado de Ibacazinho, de uma margem à outra, para facilitar o trânsito de suas máquinas. O prefeito de então, Daniel Gomes, pegou carona na irregularidade e todos os anos, durante o fenômeno conhecido por ‘abaixamento’ (quando as águas das cheias começam a vazar) mandava refazer o aterro, sob a alegação de que precisava garantir o abastecimento de água potável da cidade.

Atualmente seu leito de mais de sete quilômetros é entrecortado por três barragens de terra. Uma situa-se a dois quilômetros da sede de Viana; outra no Ibacazinho; e uma terceira no lugar chamado Colheireiras, já próximo à sua desembocadura no lago do Aquiri. Não satisfeito, o prefeito Rilva Luiz mandou construir uma nova passagem de terra, desta feita margeando o rio, no povoado de Ibacazinho. Feita sem orientação técnica, a obra joga uma pá de cal sobre a agonia do Maracu.

O mais curioso é que, apesar de todo o aparato de órgãos e leis, o crime perpetrado no principal rio de Viana jamais sensibilizou as autoridades. Uma espessa cortina de silêncio paira sobre aqueles a quem compete fiscalizar, denunciar e promover a recuperação do patrimônio ambiental. Assim, sob o manto escandaloso da omissão, um belíssimo curso natural de água, que ajudou a formar gerações, dá os últimos suspiros. A natureza não nos perdoará tamanha estupidez.

Por Nonato Reis (matéria publicada no Renascer Vianense, edição nº 32)