A história do galo do Canto do Galo

 

Quando me entendi – e isso aconteceu há mais de 70 anos – já encontrei o velho galo imponentemente colocado naquela esquina, na casa onde hoje se situa uma igreja evangélica. Nesse tempo, ali funcionava o comércio do Sr. Bernardino Araújo, sogro do maestro Miguel Dias.

Origem do galo – Segundo o velho Bernardino, que também já encontrara o galo ali, provavelmente a ideia teria sido obra de uns portugueses que haviam montado um comércio, naquele mesmo prédio, bem antes dele. O que significa dizer que o galo já se encontrava naquele canto há mais de um século.(*)

Sabe-se que os portugueses tinham uma certa “veneração” pela figura daquela ave doméstica, pois o galo, além de representar a liderança masculina no terreiro, simbolizava igualmente a disposição e a energia para o trabalho. Cedo, a ave se colocava de pé e com seu canto agudo despertava os camponeses, dos pequenos vilarejos, para mais um dia árduo de trabalho. Em Portugal, ainda é comum a fabricação artesanal da imagem do galo, para enfeite e adorno de residências e casas comerciais.

A deteriorização – Durante todo o período de minha infância/adolescência e mesmo depois de estudante universitário, em São Luís, quando retornava a Viana, nas férias, lá estava o velho galo, já bastante deteriorado pelo desgaste natural do tempo e pelo vandalismo de maus elementos. Ao retornarem de festas e serenatas, alguns rapazes, embriagados, costumavam praticar “tiro ao alvo” na indefesa ave. Nessa época, a casa já se tornara morada do Jorrimar Pinheiro e de sua esposa, a professora Santoca Gomes, que mantinha também ali a “Escola Dr. Castro Maia”.

1º roubo – Em 1946, quando gozava férias em Viana,  a cidade amanheceu, certo dia, misteriosamente sem seu galo. No local, ficou apenas o pedal de ferro. Depois de alguns meses, o conhecido Paulo Coelho, funcionário dos Correios e Telégrafos, apareceu com o galo todo restaurado e com nova pintura. Todos entenderam que tinha sido ele o autor do “furto”, motivado por nobre intenção. Paulo Coelho era festeiro e logo organizou uma farra com passeata, banda de música e muitos foguetes, para recolocação do galo em seu lugar de origem.

2º roubo – Em 1962, quando já era prefeito da cidade, o galo sumiu novamente. Desta vez ninguém deu notícias de seu paradeiro. O tempo passava e nada da imagem reaparecer. É verdade que o galo original era feio e ficara com um aspecto pior, depois de todo emassado e repintado pelo Paulo Coelho.

No ano seguinte, ao me ouvir lamentar pelo desaparecimento do galo (que acompanhara toda minha trajetória de vida e, portanto, tinha um significado especial para mim), Luciano Machado, o popular Cici Machado, excelente ferreiro e um artista de mão cheia, prometeu-me confeccionar um novo galo, em troca de um aparelho de rádio.

O novo galo – Meses depois, Cici me apareceu com sua obra de arte. O novo galo, todo feito de zinco, era bem mais bonito que o primeiro. Dei o rádio a Cici e, todo satisfeito, coloquei o galo na minha sala. Nesse tempo, eu já residia próximo àquela esquina, mais ou menos onde hoje funciona a Câmara Municipal. Depois de algumas semanas, ante a insistência do Jorrimar Pinheiro, concordei em colocar o galo em seu antigo pedestal. Em troca, ele me presenteou com um Regulator, um antigo relógio de parede de sua propriedade, que eu já “namorava” há muito tempo.

Assim, no ano de 1963, mandei colocar o novo galo no velho poleiro, para continuar ali sua vigília secular, acompanhando o crescimento da cidade e a passagem de incontáveis gerações de vianenses. Na década de 80, com a venda do velho casarão e a construção da igreja evangélica, a estatueta do galo foi colocada no prédio em frente, atual sede da Biblioteca Municipal de Viana.

Numa cidade quase sem memória como Viana, com uma população que ainda não aprendeu a valorizar e respeitar seu passado, rogo a Deus que as novas gerações e os novos administradores saibam compreender o significado histórico daquela esquina e não permitam nunca a destruição do galo ou mesmo sua retirada daquele local.

 Por José Pereira Gomes (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n°  13)

(*) Nota da Redação: Segundo o escritor Travassos Furtado, o galo original foi colocado naquela esquina, no dia 30 de setembro de 1889, por iniciativa do comerciante português Manuel Júlio da Silva, dono do comércio em cuja parede exterior foi fixado o pedestal, para exposição pública da ave.