Acrísio de Souza Mendonça

Todos os anos, no dia 21 de novembro, a Fazenda Nazaré reune os 14 filhos, genros, noras, alguns netos e bisnetos de Acrísio de Souza Mendonça para comemoração de seu aniversário de nascimento.

A reunião festiva já se tornou tradição na família Mendonça, pois enquanto o velho patriarca esteve entre eles, o dia 21 de novembro era sempre um momento de alegria e confraternização para todos. E mesmo após seu falecimento, ocorrido em 23 de maio de 2005, seus descendentes continuam a se reunir na mesma data para celebrar e reverenciar sua memória.

Mas quem foi esse homem que soube semear tanto amor e respeito no seio da família a ponto de merecer tamanha consideração dos filhos? Que outras virtudes faziam parte do seu caráter? Além do político carismático que angariou amizade e admiração de seus conterrâneos, sendo por isso eleito vereador e, mais tarde, prefeito da cidade, que mais tinha ele? O que se escondia por trás daquele fazendeiro e dono de engenho de cana-de-açúcar?

Seus contemporâneos o viam como um cidadão simpático, amante inveterado de festas e bailes carnavalescos, além de chefe de família responsável, casado com D. Zezé, e que tinha a curiosa excentricidade de registrar os filhos com nomes que se iniciavam pelas letras MARL. Mas, atributos e curiosidades à parte, o que possuía de tão especial uma pessoa que mal estudara, tendo chegado apenas até a 4ª série do antigo primário? Quem era, afinal, Acrísio de Souza Mendonça? 

Ascendência ilustre – Membro de uma das famílias mais numerosas e importantes de Viana, cuja ascendência direta remete à figura histórica do famoso Marquês de Pombal, Acrísio nasceu no povoado Ibacazinho, em 21 de novembro de 1910. Veio ao mundo como um dos oito filhos do casal Mariano de Souza Mendonça (Nhônhô) e Maria José de Souza Mendonça (Sinhá).

Certamente o pequeno Acrísio gozou de uma infância livre e feliz, ao lado dos irmãos, como era comum às crianças daqueles tempos. Também deve ter sido alfabetizado pelas mãos de professoras leigas, costume muito usual naquela época.

 Na adolescência, torna-se- ia aluno do famoso Instituto Dom Francisco de Paula, escola de ensino primário e secundário, fundada pelo promotor de Justiça Dr. Palmério Campos, em 1927. Foram seus colegas de turma Américo Fernandes, Emídio Cordeiro, Pery Noronha, Benedito Farias, Raimundo Félix Campelo, Djanira Ramos, Margarida Nogueira, Izidora Campelo, Josefina Haickel e Iraci Rodrigues, entre outros.

No relatório de médias semestrais da turma do 2° ano, publicado no jornal A Época, de 16/06/1929, constam as seguintes notas para o aluno Acrísio S. Mendonça: Português – 8; Francês – 8; Aritmética- 9; História e Geografia – 7; Desenho – 7; e Ginástica – 10.

 A julgar pelas notas dos demais estudantes, não era ele um dos mais brilhantes da classe, mas colocava-se entre aqueles de aproveitamento médio. Não foi, portanto, o desempenho escolar insatisfatório que o fez abandonar os estudos, quase no final daquele mesmo ano. 

Em busca de novos horizontes – A coluna “Semana social” do mesmo jornal A Época, edição do dia 3/11/1929, registrou a partida do jovem Acrísio Mendonça, prestes a completar 19 anos, que deixava sua cidade natal em busca de trabalho e de novas experiências na capital.

Nos primeiros anos em São Luís, o jovem vianense enfrentou e soube superar obstáculos diversos até conseguir um emprego definitivo, em maio de 1932, como balconista das “Casas Pernambucanas”, uma das lojas mais prestigiadas pela população maranhense no século passado.

Dinâmico e criativo, o rapaz não se acomodava apenas ao salário de balconista, mas continuava a investir num tipo de negócio lucrativo que descobrira tão logo chegara à capital. Freqüentador assíduo das festas que pontificavam na sociedade ludovicense da década de 30, Acrísio percebera de imediato que a promoção de bailes carnavalescos poderia render bons lucros, o que  lhe permitiria fazer uma poupança para o futuro. Desse modo, em 1936, quando teve conhecimento de que a Fazenda Nazaré iria ser leiloada em Viana, já possuía capital suficiente para adquiri-la dos herdeiros de Antônio Bezerra de Melo.

 Oito anos depois, em abril de 1937, ao ser transferido para a cidade de Pinheiro, já havia alcançado o cargo de gerente das Casas Pernambucanas e foi também como gerente da mesma loja que retornou poucos meses depois, aos 27 anos, à sua cidade natal.

Retorno triunfal – Fora da cidade há apenas oito anos, Acrísio retornava vitorioso a Viana. Afinal, além do cargo de gerente de uma loja conceituada e solidamente estabelecida no mercado, ele voltava como proprietário de uma fazenda de localização privilegiada e de grande potencial econômico. Agora, era só arregaçar as mangas e partir para a luta. Otimismo e energia não deviam faltar a um jovem já acostumado a enfrentar desafios e que ainda não alcançara os 30 anos.

A Fazenda Nazaré, que desde sua aquisição ficara sob os cuidados do irmão, Djalma Mendonça, passaria doravante por nova administração. Mandioca, arroz, feijão, milho e principalmente cana-de-açúcar seriam as principais lavouras desenvolvidas na propriedade. Certamente o desligamento das Casas Pernambucanas, em junho de 1938, teria sido motivado pela necessidade de tempo integral à frente de seus próprios negócios. 

Entusiasta do futebol – Jovem, bonito, solteiro, e de futuro promissor, o que mais poderia desejar da vida? Pretendentes não lhe faltavam e entre namoros e noivados desfeitos, o fazendeiro mostrava-se cauteloso na escolha da mulher que seria sua companheira. Enquanto isso, fora do trabalho, as festas e o futebol eram suas distrações prediletas.

Tanto é que, em julho de 1939, Acrísio organizou uma seleção de futebol com jovens craques vianenses para jogar em São Luís. A equipagem completa do time, financiada por ele, veio do Rio de Janeiro e o embarque da delegação para a capital aconteceu em clima de euforia e intenso foguetório.

A estreia do “Esporte Clube Viana” foi acompanhada com interesse pelos principais jornais de São Luís da época. Na primeira apresentação, contra o Maranhão Atlético Clube, houve até o pontapé inicial dado pela madrinha do time, a jovem Maria Serra. Naquele tempo, como o rádio ainda não havia chegado, a população vianense tomava conhecimento dos resultados dos jogos via telégrafo.

Ao final das disputas, a delegação esportiva foi homenageada com um coquetel oferecido pelo professor Antônio Lopes. Na ceia de despedida, realizada no extinto Bar Sport, “foi servida uma farta mesa de sandwichs e bebidas geladas, correndo a festa na mais alegre cordialidade”, segundo o jornal Maranhão, edição de 01/08/1939. Durante o encontro, prestigiado por vários jornalistas, o técnico e os jovens atletas foram saudados pelo anfitrião e por outro não menos importante intelectual vianense, o ex-sacerdote Astolfo Serra.

A embaixada, organizada e patrocinada por Acrísio Mendonça, entrou para a história do futebol vianense não somente pelo êxito alcançado, mas pelo brilho individual de alguns de seus atletas. O exemplo maior foi o zagueiro Expedito Gonçalves que nessa rodada de jogos na capital teve oportunidade de mostrar seu futebol, surgindo daí o convite para jogar no MAC e, posteriormente, em dois dos maiores clubes brasileiros: o Vasco da Gama e o Santos.

Matrimônio e família – Em 14 de fevereiro de 1942, aos 31 anos, já com uma filha de um relacionamento anterior, o jovem fazendeiro deixava a vida de pai solteiro para contrair matrimônio com  Maria José Penha Mendonça (Zezé), aquela que seria a companheira fiel da longa e nova jornada que se anunciava. O casamento, uma cerimônia simples, realizou-se no cartório do primo Ozias Mendonça.

E assim, como já tinha a filha Marlene, vieram os demais em ordem cronológica: Marluce, Marlise, Marluio, Marlete, Marlou, Marleide, Marlilde, Marléa, Marlio, Marliane, Marlisete, Marlila e Marlúcio. No total são 14 filhos gerados por um casamento de 57 anos, somente interrompido com o falecimento de D. Zezé, em 26 de setembro de 1999. 

Vida política – Sempre envolvido direta ou indiretamente com a política local, tendo sido vereador em 1947, e candidato a chefe do poder executivo municipal, sem sucesso, no pleito anterior, Acrísio de Sousa Mendonça foi eleito prefeito de Viana nas eleições do dia 3 de outubro de 1965.

Apoiado pelos partidos União Democrática Nacional (UDN) e Social Progressista, o candidato vitorioso elegeu-se com 1.320 votos de um total de 3.248 votos apurados. Sua gestão, de 1966 a 1970, teve como carro-chefe a abertura e inauguração da primeira via terrestre ligando Viana a São Luís, sonho almejado há muito pelos vianenses.

De difícil trajeto, numa época em que ainda não existiam pontes ligando a Baixada à capital, o veículo (jardineira, caçamba ou caminhão) precisava atravessar de balsa  (chamada de pontão) em Cachoeira e Arari, para alcançar finalmente a estrada pavimentada em direção a São Luís. Foram tempos pioneiros na árdua empreitada de ligar o município à capital e somente a  garra de um autêntico homem do campo para enfrentar tantos desafios.

Talvez residisse aí o segredo do carisma desse cidadão vianense, diplomado na escola da vida, que se tornou um exemplo dignificante para a família e os conterrâneos. Ao contrário do homem moderno de hoje, mergulhado no consumismo e altamente  individualista, Acrísio Mendonça não se fechou em seu universo particular. Soube amar sobretudo a família, mas soube também colocar-se a serviço de sua coletividade.

Por Luiz Alexandre Raposo (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n°  32 )