Astolfo Serra

Da estirpe de Joaquim Ignácio Serra e Judith Barros Serra, em 22 de maio de 1900, no então povoado de Matinha, município de Viana, Maranhão, a 14 quilômetros de verdes selvas e do azul celeste do Lago do Aquiri, um dos inúmeros lagos da região, nasce, para a glória da fé cristã, da política do bem servir e do mundo jurídico, Astolfo de Barros Serra, o menino pobre, o seminarista, o sacerdote, o poeta, o escritor, o jornalista, o político, o revolucionário advogado, o orador sacro e profano, o inconformado com as injustiças sociais, o amigo de todas as horas, o profundo conhecedor da alma humana, o Ministro Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, o imortal em meio a tantos mortais.

Como todo menino pobre, notadamente do interior nordestino, seu destino seria o analfabetismo e a desnutrição, não fora ter sido filho de um modesto professor, que fazia de seu magistério a vocação do exercício da dedicação a todos os meninos pobres da pequena vila. Assim estudou com o pai as primeiras letras numa escola coberta de palha de babaçu e tapada de barro, tendo como piso o chão batido de soquete, mas nos sonhos, um ideal definido quer na vila de Matinha, onde ficaria até os onze anos de idade, quer na cidade de Viana, onde completaria seu curso primário.

A exemplo de seu pai, a vida o encaminhou para o velho e tradicional Seminário de Santo Antônio, em São Luís, onde o jovem Astolfo pôde moldar seu coração e sua inteligência até a ordenação sacerdotal, em 25 de março de 1925, juntamente com outro ilustre vianense, o Padre Constantino Vieira. Ainda com o perfume dos óleos sagrados nas mãos e na fronte, por determinação do austero Dom Octaviano Pereira de Albuquerque, bispo do Maranhão, foi enviado para assumir a paróquia de Mirador, tornando-se vítima de seu primeiro “choque cultural”, entre as regras rígidas de um internato claustral e a ingrata realidade social do isolamento de um mundo cá de fora.

O sacerdote – Experimentou o jovem padre, na própria carne, as injustiças sociais que abalavam e ainda abalam o pais, seu estado e o pequeno rebanho paroquial. Em razão disso, despertou para a política ao engajar-se no apoio aos revoltosos da famosa Coluna Prestes, a qual invadia o sertão maranhense, travando lutas contra o arbítrio dos governantes. Seu púlpito paroquial era a tribuna da defesa dos oprimidos, entendendo que o Cristo, há quase 2000 anos antes, não teria vindo ao mundo para salvar a alma do homem, mas para resgatar este homem integralmente, em toda sua dimensão pessoal e social. Por explicitar tal testemunho (como acontece ainda em nossos dias) foi transferido para a cidade de Flores, hoje Timon, às margens do Rio Parnaíba, em 1927, estendendo sua atuação social e política até o Piauí, cuja capital limitava com sua paróquia. Na florescente Teresina, além da missão pastoral, dedicou-se ao jornalismo combativo, enfileirando-se à Aliança Liberal, movimento político nacional, nascido dois anos depois, em simpatia à candidatura de Getúlio Vargas, que fazia oposição à chapa Júlio Prestes, apoiada pelo presidente em exercício, Washington Luiz. E mais uma vez, por causa dessa ativa participação na política local, Dom Octaviano o transfere temporariamente para a cidade de São Paulo.

O político – Devido à história revolucionária de sua vida pública e por sua liderança política, finda a interventoria de Reis Perdigão no Estado,o nome de Astolfo Serra era o mais cotado para assumir o governo do Maranhão. A muito custo, Dom Octaviano cedeu aos apelos do próprio presidente Vargas, o que aconteceu no dia 8 de janeiro de 1931. 0 povo maranhense respirou aliviado diante da indicação de um interventor à altura de solucionar os diversos problemas que afligiam e envergonhavam a vida pública de seu Estado. Medidas de saneamento das finanças e grande investimento na educação, notadamente no interior, foram duas dentre as mais urgentes do projeto de governo que seu espírito de homem repleto de idealismo ético e de amor pela pátria lhe. impunham. Transformou-se num verdadeiro estadista, devolvendo ao Estado, em poucos dias, um clima geral de paz, confiança, justiça, trabalho e progresso.

Todavia não demorou para que a inveja medrasse em todos os terrenos, iniciando-se assim por parte dos inimigos políticos, uma série de difamações à vida do padre-interventor, atingindo-o até mesmo na vida privada. A situação tornaria-se tão desagradável, que o próprio Astolfo Serra, não acostumado a esse clima de deslealdade, tomasse a iniciativa de pedir ao governo federal sua exoneração, em beneficio da paz social e da tranquilidade de sua vida pessoal. Dessa maneira, no dia 18 de agosto do mesmo ano, passava o governo do Estado para o Comandante do 24° BC, o Tenente Coronel Joaquim Guardie de Aquino Correia.

Inconformado, o povo tentou rebelar-se, mas encontrou no ex-interventor a liderança da paz. Ainda assim, o povo da “Ilha Rebelde”, em sinal de protesto e ao mesmo tempo de solidariedade, saiu em passeata, levando nos braços o Padre Astolfo, o qual encerrou a manifestação com um inflamado discurso, reafirmando sua vocação de líder e portador de nobres ideais.

Vítima da sanção canônica de suspensão das ordens sacras, imposta por Dom Octaviano, Astolfo Serra dedicou-se, em São Luís, ao jornalismo combativo em favor da cultura, da educação e contra os privilégios das classes dominantes, sendo nomeado depois fiscal do ensino secundário do tradicional Liceu Maranhense. Mas a tranquilidade não lhe seria fiel companheira: por simpatizar com a Aliança Nacional Libertadora, durante a Intentona Comunista, em novembro de 1935, teve sua casa arbitrariamente invadida pela polícia local e foi preso, sob a acusação de subversão à ordem pública

O jurista – Com o advento do Estado Novo, transferiu-se para o Rio de Janeiro no final da década de 30, quando afastou-se do clero, sem romper com a Igreja e com sua fé, mas para melhor poder dialogar com sua coerência. No Rio, logo foi nomeado diretor do Departamento de Turismo e Publicidade da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Retornando o país ao estado democrático de direito, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, ocupando importante cargos públicos, dentre eles o de Diretor do Departamento Nacional do Trabalho, Presidente da Comissão Técnica de Orientação Sindical, Membro da Comissão Permanente de Direito Sindical, Presidente da Comissão de Imposto Sindical, Presidente de Enquadramento Sindical, Corregedor Geral do Trabalho e, por fim, nomeado, em 1949, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, tornando-se presidente deste mesmo Tribunal em 1964.

O escritor – A obra literária deste brilhante intelectual vianense é de uma riqueza inigualável, bastando lembrar os seguintes trabalhos publicados (sem contar os que ficaram inéditos). Depoimentos para a História Política do Maranhão e Vértice, Gleba que Canta, Profeta de Fogo, Terra Enfeitada e Rica, Caxias e seu Governo Civil na Província do Maranhão, Noventa Dias de Governo, Argila Iluminada, A Vida Vale um Sorriso, Guia Histórico e Sentimental de São Luís do Maranhão, Manipueira, Caricatura de um Campanha Política, A Balaiada, A Vida de um Professor Simples de Aldeia, dentre outras.

Astolfo Serra foi membro da Academia Maranhense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. Seu falecimento ocorreu distante de sua terra natal, no Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de I978, depois de “combater o bom combate”, na forte expressão paulina, que tantas vezes na vida anunciou.

O Maranhão prestou significativa homenagem a este ilustre filho, emprestando ao Tribunal Regional do Trabalho, em São Luís, o seu nome, para honra de todos os maranhenses.

Por Heitor Piedade Júnior