Da Praia do Areal ao Parque Dilú Mello


Não se tem registro de como os índios, que habitavam esse esporão de terra onde hoje é a Praça da Matriz, chamavam esse pequeno espraiado visto do alto. Sabe-se que no cimo deste esporão ficava a aldeia maior, comandada por um cacique geral, que de lá controlava e comandava tudo e todos.

Dentro da cultura indígena, os rituais de nascimento e fúnebres eram realizados na parte peninsular e os de sacrifícios, oferendas e adorações aconteciam nas encostas desse esporão (onde já foram encontradas ossadas humanas).Também por sua situação privilegiada, em outros tempos, esse local foi o principal posto controlador da entrada e saída de nativos, livres e aprisionados nas guerras tribais.

Com a chegada dos jesuítas por estas bandas, em 1683, e posterior conquista da península principal, para construção da sede da Aldeia Maracu, começam as transformações físicas e paisagísticas deste espraiado, o qual forma, no verão, uma faixa extensa de areias banhadas pelas águas do lago. Formação esta resultante do acúmulo de material estratificado, arrastado pelas chuvas, e também pela impulsão das marés altas procedentes do Golfão Maranhense.

Consumada a conquista desejada, os missionários fizeram edificar ali uma igreja sob a evocação de Nossa Senhora Imaculada da Conceição e, em derredor, formando uma praça de forma retangular, construíram vários alojamentos para abrigarem os índios que aldeavam e os de Doutrina (como eram chamados os índios já catequizados trazidos do lugar denominado Itaqui), que lhes acompanhavam em missões pelas matas e também arrebatavam outros irmãos silvícolas para o rebanho da fé cristã.

Nesse aldeamento, os padres jesuítas formaram as ações administrativas de suas fazendas e engenhos, traçaram estratégias no recrutamento e controle da região e a base econômica para o sustento da missão do Colégio N. Senhora da Luz do Maranhão (sediado em São Luís) e outras instituições pertencentes à Companhia de Jesus, até quando, em 1757, perderam os direitos temporais dos aldeamentos silvícolas, por determinação de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal, em função de radicais diferenças de objetivos deste com aqueles religiosos.

Com o passar dos anos, em Viana, enquanto vila e depois cidade, a Praia do Areal foi-se configurando como um lugar apropriado para uma atividade econômica de grande necessidade na produção pesqueira: a salga e secagem de pescados. Era o local preferido dos pescadores que, nos meses de verão, mudavam-se com toda a família para as margens do lago, pois o trabalho de manejo e preparo da produção recolhida exigia mãos habilidosas para o trato do pescado fresco e imediato processo de salga. Durante décadas, arrobas e mais arrobas de peixe salgado-seco eram exportadas para os povoados e outros municípios maranhenses, gerando boa fonte de renda para esses profissionais.

Como a flora era uma moldura viva do lago de Viana, a Praia do Areal possuía uma vegetação densa que servia de habitat para várias espécies de aves que enriqueciam o seu cenário. O pesquisador Ozimo de Carvalho descreve em sua obra-prima “Retrato de um Município”, o que conseguiu catalogar sobre a vegetação campestre e a fauna paludícola, que abundavam em volta desse pequeno espraiado e outras partes que margeiam o grande lago de Viana. 

A festa de Nossa Senhora Aparecida – Na primeira metade do século passado, a atuação da Igreja Católica se fez cada vez mais marcante no seio da coletividade vianense. Várias capelas foram criadas em pontos diferentes da cidade, como a de N. S. de Fátima no Caminho Grande, São Judas Tadeu no Moquiço, N. S. de Nazaré no Nazaré e de N. S. Aparecida na Praia do Areal. Provavelmente a escolha deste local deveu-se ao fato de estar próximo dos pescadores, pois foram dois desses profissionais que recolheram a imagem da santa, no Rio Paraíba, Estado de São Paulo. Por situar-se num local alagável no inverno, a capela de palha era erguida todos os anos, no mês de outubro.  A festa constituía-se de novenas, largo com banda de música, missa campal e procissão.

No Areal, aconteciam também os passeios a pé em noites de lua. Caminhar pela beira do lago, observando a superfície prateada das águas pelos reflexos da lua, propiciava um prazer indescritível. No final do passeio, sempre acontecia uma apetitosa comilança de melancias, trazidas de Arari e muito bem consumidas em Viana, principalmente no Areal. 

O Festival do Peixe – Muito tempo depois de extinta a festa de Nossa Senhora Aparecida, Nezinho Soares (pinheirense que adotou Viana como sua cidade) teve a feliz iniciativa de criar, naquele mesmo local, o Festival do Peixe. São dele, as seguintes palavras, extraídas de um manuscrito de sua autoria, intitulado “Olhando Viana”:

Nós, que acompanhamos por muitos anos a festa de Nazaré em Viana, sabemos perfeitamente das causas e das conseqüências negativas da extinção da referida festa, principalmente econômicas, pois canalizava dinheiro de outros municípios para Viana. Com o término daquela festa, resolvi lançar outra semelhante àquela destruída, nascendo a Festa do Peixe – criação, organização e estrutura exclusiva nossa”.

…A festa ano a ano continua em igualdade com a festa de Nazaré, com maior afluência de pessoas vindas de todos os recantos do nosso e de outros Estados. Tem sido uma corrente abundante de dinheiro no comércio e na vida privada da cidade, convergindo de outros municípios e de outros rincões do nosso país, grande número de comerciantes ambulantes. Parque de diversões com suas distrações permanentes enfeitam o recinto da Festa do Peixe. Outras atrações folclóricas como Bumba-meu-boi, Tambor de Crioula, Baile de São Gonçalo, Dança do Maracu e Tambor de Mina, completam a formosura da nossa criatividade.

Mas foi por muito pouco tempo que essa nova modalidade de festa permaneceu sob organização particular.  Como um toque de mágica, a administração pública incorporou esse evento como atividade cultural municipal e hoje faz parte do calendário das festas anuais, gerenciados pela Prefeitura de Viana. 

A construção do Parque – Em 1994, o prefeito Daniel Gomes Filho iniciou o aterro da Praia do Areal, obra muito bem recebida pela população, necessitada de um espaço de lazer. Daí em diante, nenhuma outra administração posterior quis concluir o projeto, o que fez a degradação ambiental, nesse local, acelerar-se em progressão geométrica. Um desastre ecológico para o antigo Areal, que viu, em menos de dois anos, toda a sua vegetação endêmica desaparecer, sufocada pelo esgotamento sanitário clandestino.

 A construção do aterro sem obedecer regras básicas mínimas de saúde pública (que requereria a construção do esgoto sanitário do parque), aliada à ocupação imediata de moradores fixos, ao mesmo tempo em que se destinava o uso do local como espaço de atividades culturais foi uma grande fatalidade. É expor a população vianense a riscos maiores de febre-amarela, cólera, tifo, dengue, conjuntivite e outras doenças transmitidas pela falta de higiene pública. 

O Parque Dilú Melo Já no final do século XX, entre muitos dos sonhos de uma pequena parcela dos filhos de Viana, um desses sonhos se transformaria em realidade. Graças à ação louvável do jornalista Luiz Alexandre Brenha Raposo, na luta para fazer valer o nome de vianenses ilustres, que projetaram o nome da cidade no país e no exterior, conseguiu ele, depois de várias conversas e articulações com as autoridades municipais da época, a alteração do nome do Parque do Areal para homenagear a compositora, instrumentista e cantora Maria de Lourdes Argollo Olíver.

Assim, no dia 13 de setembro de 1998, dois anos antes de falecer, a filha mais ilustre de Viana voltou à sua terra natal para, emocionadíssima, descerrar uma placa que, a partir daquele momento, dava ao local o seu nome artístico.

O Parque Dilú Mello, se merecer dos futuros administradores, a devida atenção e melhorias básicas, terá tudo para projetar a cidade de Viana no cenário da correta política ambiental do turismo ecológico da Baixada Maranhense, honrando devidamente um local de beleza impar e que guarda muito da nossa história.

Por Pedro Mendengo Filho (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n° 17)