ESPELHO D’ÁGUA

 

João Mendonça Cordeiro

O romance Espelho D’Água, do médico e escritor Aldir Penha Costa Ferreira (que na infância residiu em Viana, na antiga e extinta Praça São Sebastião) encerra esta “trilogia do romance vianense” a que nos propusemos escrever, a partir de análises pontuais e modestas considerações.
A obra em epígrafe retrata principalmente o parâmetro socioeconômico vivido pelo município “em fins da década de 40 e início da de 50 do século XX”, como esclarece o autor. Desenvolvida a partir de um núcleo central, isto é, a estrutura e funcionamento de uma família pequena e simples, constituída pelo pai, mãe e apenas dois filhos (um menino e uma menina) – o que os tornava quase uma exceção entre as famílias da época, geradoras de numerosas proles – a narrativa centra-se nesse diminuto universo familiar do qual também fazia parte um “garoto de criação”, espécie de filho adotivo, para discorrer sobre a singeleza do modelo social e da vida pacata de uma cidade interiorana daqueles idos.
O meio de sobrevivência da família provinha de uma quitanda típica, bem sortida, que vendia quase tudo, célula viva de encontros e desencontros (brigas) de fregueses constantes ou esporádicos, muitos deles conhecidos pelos apelidos, conforme a tradição vianense. Há personagens com nomes fictícios ou modificados, como o dentista, Dr. Marujo, que se misturam aos personagens reais, a exemplo do padre Manoel Arouche, dos empresários José Pinheiro e Jorge Duailibe, das professoras Santoca Gomes Pinheiro e sua filha Lenir (ambas da Escola Dr. Castro Maia), dos irmãos Dedé, Das Dores e José Travassos Furtado (este último seminarista), do enfermeiro Graco, dos comerciantes Daniel Gomes e Lino Lopes, do futuro prefeito Luís Couto e do “aviador” Dieguez. O famoso Seu Gegê (Heitor Piedade), como vizinho da família e promotor da concorrida festa de São Sebastião, realizada em janeiro, também ganhou o direito de aparecer no romance.
Através do cotidiano da família, o livro relata os costumes seculares da população vianense, desenhando um interessante e diversificado painel cultural, onde se destacam as lendas e os folguedos inesquecíveis do carnaval e do bumba-meu-boi, os diversos métodos de pescarias praticados nos lagos, rios ou riachos da região, as brincadeiras infantis ou ainda as manifestações de solidariedade social, como no combate ao fogo em palhoças rapidamente inflamáveis.
Mereceram destaques especiais fatos verídicos que marcaram a história de Viana como, por exemplo, a bênção e o passeio inaugural do primeiro caminhão da cidade (acontecimento este que serve de abertura para o romance) ou a chegada do transporte aéreo, com o pouso e decolagem de teco-tecos, na beira do lago, o que diminuía grandemente o longo percurso da viagem a São Luís, até então somente possível, via fluvial, a bordo de lanchas e barcos desconfortáveis.
Enfim, a obra de Aldir Ferreira traz o grande mérito de registrar para a posterioridade o modo de vida e as tradições originais de uma Viana que, hoje, sobrevive apenas na memória dos mais velhos. Mas, acima de tudo, além do saudável entretenimento que sua leitura proporciona, o romance Espelho D’Água certamente será de grande utilidade para futuras pesquisas, quando novas gerações de vianenses desejarem “saber o que era Viana com sua gente” na metade do século passado, como predizia Ozimo de Carvalho em seu Retrato de um Município.