Heitor Piedade Júnior

Ele deixou a batina desde o final dos anos sessenta, mas para a população vianense (principalmente para as gerações mais velhas) será sempre o Padre Heitor, o sacerdote simpático que fazia as moças de sua época suspirarem. O que bem poucos desconfiam, porém, é que o padre, filho de Seu Gegê, não nasceu em Viana. Em busca da segurança de uma melhor assistência médica, era costume, entre as mães vianenses de certa condição financeira, naqueles tempos, ter o primeiro filho em São Luís. Dessa maneira, o primogênito do casal Heitor e Etelvina Nogueira Piedade, nasceria na capital maranhense no dia 14 de setembro de 1928. Mas isso não o faz sentir-se menos vianense: “Apenas nasci em São Luís. Com poucos dias de nascido já estava em Viana, onde me criei e tive as primeiras impressões do mundo”, garante.

A vocação sacerdotal – Desde cedo, sob a carismática influência do Monsenhor Arouche e da profunda religiosidade católica que a cidade respirava nos idos de 1930/40, o menino Heitor teria seus caminhos orientados para a vida sacerdotal. As brincadeiras tão comuns para a garotada, como jogar futebol ou empinar papagaios, não eram permitidas para quem planejava se tornar padre, pois não caía bem “igualar-se aos moleques de rua”. Sua criativa imaginação infantil, entretanto, encontrava outras formas de diversão, como organizar um boizinho para dançar pela vizinhança, durante os festejos juninos. O nome do boizinho era “Te incha”, expressão popular e pitoresca daqueles tempos, que se igualaria ao atual “Vai te danar!”

As três primeiras séries primárias foram feitas no Colégio São Sebastião (o qual funcionava na época no antigo “porão”, na Rua Celso Magalhães) e as duas séries restantes no Grupo Escolar Estevam Carvalho. Aos doze anos de idade tornou-se seminarista, iniciando então o curso de Humanidades (equivalente ao ginásio), no antigo Seminário Santo Antônio, em São Luís. Ao iniciar o curso de Filosofia, seis anos depois, recebeu o convite do bispo Dom Adalberto Sobral para fazer o seminário maior em São Paulo.

Após sete longos anos sem pisar em solo maranhense, o jovem seminarista retornaria para ordenar-se sacerdote, numa cerimônia festiva, realizada na Igreja Matriz de Viana, em 8 de dezembro de 1954, dia consagrado à padroeira da cidade. Tudo aconteceu de forma perfeita, deixando nítidas recordações na memória dos mais velhos: a presença do bispo arquidiocesano de São Luís, Dom José Delgado, acompanhado de inúmeros outros padres, a satisfação do pároco, Monsenhor Arouche, e a alegria genuína, somada ao indisfarçável orgulho da comunidade vianense, que lotava a igreja para ver um filho da terra ordenar-se. Sem falar na contagiante felicidade dos seus pais, irmãos e demais familiares!

O trabalho pastoral – Os seis primeiros meses de trabalho aconteceram em Viana mesmo, como vigário cooperador do Monsenhor Arouche. Logo após, veio a ordem para transferir-se para a cidade de Morros, onde daria assistência religiosa também nas cidades vizinhas de Axixá, Icatú e Cachoeira (hoje Presidente Juscelino), durante um ano e meio. Repatriado para Viana e novamente sob a coordenação do antigo mestre e amigo, Monsenhor Arouche, recomeçou o trabalho de evangelização pela zona rural, nas chamadas “desobrigas”.

Três anos depois, com a morte repentina do grande pastor vianense, Dom Delgado decidiu trazer para Viana o Padre Eider Silva, nessa época pároco de São Vicente Férrer. Para substituí-lo naquela paróquia designou o jovem sacerdote, Heitor Piedade. Foram sete anos de intenso trabalho junto ao povo sofrido dessa parte da Baixada Maranhense, a qual incluía os municípios de Cajapió e São João Batista. As capelas dos povoados, fachadas o ano inteiro à espera do padre nas desobrigas, foram abertas para funcionarem como escolas: “Eu escolhia os jovens de maior liderança e trazia para Viana, a fim de que minha irmã, Mária de Jesus, os preparasse como alfabetizadores”, relembra Heitor. Existiam, porém, percalços no caminho do padre dinâmico e idealista. Os líderes políticos da região não viam aquilo com bons olhos e procuravam atrapalhar de alguma maneira as iniciativas do sacerdote. Havia também o grave problema das cercas dos donos das terras, que barravam as estradas e impediam os pobres agricultores de vender a produção de arroz, milho ou farinha por um preço melhor, obrigando-os a venderem tudo pelo valor que lhes era imposto. Uma dura realidade, que causava, ao padre, revolta e profundo mal-estar. O pior ainda estaria por acontecer: o golpe militar de 1964, para reforçar a repressão política. Por essa época, já sofrendo de uma úlcera no duodeno, Padre Heitor pediu permissão ao primeiro bispo de Viana, Dom Hamleto de Angelis, para tratar-se fora do Estado, não mais retornando, para tristeza de seus paroquianos e dos incontáveis amigos deixados no Maranhão.

O trabalho acadêmico – No Rio de Janeiro, a opção pelo curso de Direito e a colação de grau, acontecida em 1972. No ano seguinte, o pedido de afastamento, por tempo indeterminado, ao bispo de Viana, D. Francisco Hélio Campos. A partir daí, os acontecimentos se sucederiam de forma ascendente na carreira do novo advogado: os júris, o concurso para professor auxiliar, o mestrado, o doutorado e a opção pelo Direito Penal. Por ter especial predileção pelas salas de aula, assumiu um trabalho de professor itinerante pela Universidade Estácio de Sá, ministrando cursos por várias cidades brasileiras. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, veiculado ao Ministério de Justiça, durante seis anos. Depois de aposentar-se como professor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. foi vice-presidente do Conselho Penitenciário do Estado e participou da Comissão de Direitos Humanos, além de continuar orientando alunos nas monografias de graduação ou teses de mestrado e doutorado, na pós-graduação.

No currículo do Doutor Heitor Piedade Júnior constam os seguintes trabalhos publicados: “Fatores Endógenos da Criminalidade” (tese de mestrado), “Personalidade Psicopátíca e Medida de Segurança” (tese de doutorado, publicado pela Editora Forense, em 1980). Em parceria com o colega Márcio Duarte publicou “A Sangue-Frio-Origens e Consequências da Violência na Sociedade Brasileira” (1999) e, em 2002, “O Vale dos Esquecidos – Uma Visita ao Manicômio Judiciário”.

Por Luiz Alexandre  Raposo