LOCALIZADO ARTIGO RARO DO VIANENSE RAIMUNDO LOPES

Um artigo jornalístico de autoria de Raimundo Lopes, há muito garimpado pelo pesquisador José Raimundo Santos, foi finalmente identificado entre o acervo digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

Intitulado “Os fortes coloniais de São Luís”, a matéria escrita em 5 de agosto de 1917 somente foi publicada pelo jornal Pacotilha, de São Luís, no dia 8 de fevereiro do ano seguinte. Daí a dificuldade dos pesquisadores na localização de mais este artigo escrito pelo renomado cientista vianense.

Embora formado em Letras, Raimundo Lopes decidiu dedicar-se à pesquisa, de modo geral à Etnografia, à Etnologia, à Arqueologia, à História e à Sociologia.  Autor dos livros O Torrão Maranhense e Uma Região Tropical, o cientista vianense escreveu inúmeros trabalhos, entre os quais se destacam (além dos Fortes de São Luís): As Regiões Brasileiras, Entre a Amazônia e o Sertão, O Homem em Face da Natureza, Ensaio Etnológico sobre o Povo Brasileiro, Pesquisa Etnológica sobre a Pesca Brasileira no Maranhão etc. Publicou ainda um romance intitulado Peito de Moça e seu último livro, Antropogeografia, é considerado um verdadeiro compêndio de ciência.

Leia abaixo a transcrição deste interessante artigo de Raimundo Lopes.

OS FORTES COLONIAIS DE SÃO LUÍS

            É um prazer para o estudioso, mesmo diletante, da história pátria o de procurar, através do intrincado das velhas crônicas e dos capoeirais de tapera, a memória incerta ou a moradia esbaroada dos velhos edifícios erigidos para a paz ou guerra dos nossos avós. Que importa seja tosca a arquitetura, modesta, a dimensão, e nem sempre feitos de alto renome essas pedras nos contem; ainda assim, falam-nos da expansão da nossa gente antiga, em pelejas contra franceses ou flamengos, ao longo de mangais lodosos ou através de tribos ferozes e de intérminos areais.

            Falam-nos da velha militaria dos tempos dos mosqueteiros, e dos piques, e das bombardas enormes, molossos pesados, sesteando sobre as barbetas e os parapeitos largos dos bastiões.

            A primeira fortificação de que se tem notícia, nos anais do Maranhão, é o forte de São Luís, erguido pelos franceses no pontal entre Anil e Bacanga; as atuais construções aí existentes não guardam vestígio do forte francês, a que os luso-espanhóis crismaram de São Felipe; é, aliás, de notar que as duas meias-luas atuais do chamado “Baluarte”, antigos bastiões de São Cosme e São Damião, são construção do tempo do governador Bernardo da Silveira Pinto, de 1820; as peças que aí existem têm o nome de El-rei D. João VI.

            A expedição portuguesa da conquista do Maranhão levantou o forte temporário de Santa Maria, simplesmente entrincheiramento de pau-a-pique, em torno do qual se travou o combate de Guaxenduba. Alexandre de Moura tomou a mesma precaução, tal como no-lo conta Berredo: – “Na manhã seguinte, primeiro de novembro, entrou então Alexandre de Moura na baía de São Luís do Maranhão, a que pôs o nome de Todos os Santos, por ser este o seu dia; e fazendo um pronto desembarque na pequena ilha de São Francisco, distante pouco mais de tiro de canhão da fortaleza dos franceses, levantou nela outra defensa de pau-a-pique, da invocação da mesma Ilha (que se chamou também o forte do Sardinha) – Anais, 387.

             Em seguida o analista colonial exibe o termo da capitulação do forte de São Luís, firmado por La Ravardière no forte do Sardinha.

             O padre José de Morais, dando notícia da cidade de São Luís ao seu tempo (século XVIII), assim descreve a barra: na ponta do Pereá (São Marcos), existia uma ermida e um ponto de vigilância, donde um canhão anunciava à cidade os navios que a demandavam; na ponta da Areia, uma fortaleza, em ruínas, da invocação de Santo Antônio, a qual, aliás, o mesmo padre ainda lograra conhecer em bom estado; a falta desta, porém era suprida pela bateria de São Francisco, “de excelente artilharia, cavalgada sobre um bom terrapleno, que corre ao longo com o canal, por onde necessariamente hão de passar os navios sujeitos ao domínio das suas balas”. História da Companhia, pág. 13.

            Era realmente uma bela posição tática, para o alcance: das armas do tempo; hoje em dia, São Marcos valeria muito mais, como posição dominante da barra.

            Nada tinha, provavelmente, com o Sardinha, o novo forte construído, em 1720, por Bernardo Pereira de Berredo. (Vide César Marques – Dicionário Histórico e Geográfico do Maranhão.) O fortim de Alexandre de Moura, visando a hostilizar o francês em São Luís, era uma construção temporária. Talvez nem fosse ao mesmo lugar, que este ocupara, construído o forte de pedra do governador-historiógrafo. Este mesmo balizou-o de “São Francisco”, sem que tal nome guardasse relação alguma com a denominação com que registra nos Anais a “defensa” de 1615. Apenas sabemos que um e outro foram erguidos na “Ilha” de São Francisco (que é, aliás, realmente insulada entre o porto e os mangais).

            Essa fortificação seria, entretanto, condenada pela transformação do litoral. Um século depois, o recuo da barreira determinava o abandono do porto à ação erosiva do mar. Em 1824, existiam os dois fortes, o da ponta da Areia e o de São Marcos, tanto assim que, nesse ano, insurgindo-se a guarnição da ponta da Areia, São Marcos e São Luís combinaram fogos contra ela. No tempo de João Lisboa, a fortaleza de São Francisco estava quase toda entregue ao mar, (Vide Apontamentos para a história do Maranhão).

            Cândido Mendes, em 1860, em nota da sua edição da citada História da Companhia de Jesus no Maranhão, do padre Morais, diz-nos que desta bateria já não havia vestígios.

            Enganara-se, porém, o historiador ilustre. As ruínas do forte de São Francisco existem ainda hoje; existem e, cobertas pelas marés cheias, são, na baixa-mar, bem visíveis de São Luís. Dentre as pedras arrancadas às barreiras pela erosão e espalhadas pela praia do canal, nota-se um grupo de blocos maiores. Estas são as ruínas da antiga fortificação.

            Não só as suas dimensões o atestam. Estudando, diretamente, a posição e estrutura desses blocos de 3 a 4 metros de altura, vê-se bem que são pedaços de muralha, formados de camadas de pedras vermelhas, comuns, do lugar, ligadas por argamassa. Destacando-se, por dilaceramentos sucessivos da muralha, da barreira em recuo, esses grandes blocos deviam ter-se desaprumado consideravelmente. Que assim aconteceu, atesta-o a direção oblíqua das camadas de pedras e cal. Esses deslocamentos e a ação deformadora da maré impedem-nos de reconstruir exatamente a forma do forte arruinado: parece, contudo, que ele se compunha de um recinto mais ou menos retangular e de um bastão ou torreão avançado. Descontados os alicerces, não devia ter grande altura sobre o solo, aproximando-se, portanto, do sistema, Vaubin de fortificações rasas, já, ao tempo da construção, vigente na engenharia militar. Nada mais se pode adiantar a tal respeito; o próprio terreno faltou à arruinada fortaleza.

            Hoje em dia, esses fortes, mesmo intactos, seria mera recordação histórica; em todo o caso, servem para mostrar que nós outros brasileiros de hoje não sabemos fortificar e defender o litoral do país, como o sabia, com tão segura escolha das posições fortificáveis, os nossos maiores do século XVIII…

São Luís, 5 – VIII – 1917.

Raimundo Lopes

(da Academia Maranhense de Letras)