O PASSA FOGO NO BOI

Ao som das matracas, enquanto durava o bombardeio, os brincantes entoavam um grito de guerra que dizia: toca fogo, toca fogo, toga fogo/ que eu quero vencer!

 

Talvez a maior originalidade dos festejos juninos, em Viana, resida no tradicional costume de passar fogo no boi. Antigamente essa farra acontecia no famoso Canto Grande, ponto obrigatório de passagem dos grupos de Bumba-boi.Todos os anos, a fim de que a promessa fosse bem-cumprida, o boi passava por aquele trecho da Rua Grande, onde o esperava grande concentração de pessoas, afoitas por queimarem centenas de carretilhas e busca-pés. Era uma espécie de desafio. E o boi que se prezasse, enfrentava corajosamente, com seus vaqueiros, aquela cortina de fogo para mostrar seu valor.

Na verdade, os ataques dos fogos começavam bem antes, lá pelas imediações da Farmácia Serejo. Os bois costumavam se concentrar no Canto do Galo, antes de descerem a Rua Grande. Parece que faziam ali uma preparação psicológica para a árdua batalha que os aguardava. A partir daquela esquina, os integrantes se juntavam mais, formando um grupo coeso, como se quisessem dar e receber maior proteção. À frente, escondido sob a armação do boi e deixando de fora apenas os olhos e o nariz, seguia o brincante que tinha, naquele momento, a penosa tarefa de levar nas costas o alvo principal dos fogos.

Origem do folguedo – Segundo os mais antigos, esse interessante costume teve origem numa tentativa dos moradores da famosa Rua da Ponta de tomar, à força, um boi muito bonito do pessoal do Moquiço. Enquanto o tal boi dançava na Praça da Matriz, a turma da Rua da Ponta se armou com sortida munição de fogos e se postou no quarteirão do Canto Grande para esperar sua passagem. Julgavam que, atordoados pelo ataque repentino de bombas, carretilhas e busca-pés, o pessoal do Moquiço batesse em retirada, abandonando o boi no meio da rua. O plano, entretanto, não surtiu o efeito desejado. Tomados de surpresa, os valentes vaqueiros do Moquiço resistiram bravamente ao assalto, não abandonando o boi conforme o esperado. No final das contas, todos gostaram da brincadeira e assim o fato se repetiria pelos anos seguintes não mais como uma tentativa de tomar o boi, mas apenas para testar a coragem dos vaqueiros e divertir a classe mais abastada da cidade.
Ao som das matracas, enquanto durava o bombardeio, os brincantes entoavam um grito de guerra que dizia: toca fogo, toca fogo, toga fogo/ que eu quero vencer!
Terminada a batalha, ao se retirarem eufóricos e extenuados, sob os aplausos e olhares admirados da população, os vaqueiros vitoriosos trocavam de refrão, cantando: Assim que eu sou, assim que eu sou/ antes de apanhar, eu dou!
Desconhece-se a época exata em que esse folguedo peculiar do Bumba-boi passou a fazer parte das comemorações do São João local, mas alguns memorialistas vianenses remontam para mais de um século a existência da brincadeira. No seu livro de memórias “História de um Menino Pobre”, o Dr. Sálvio Mendonça, nascido em 1892, descreve a forma como a farra acontecia na sua adolescência: “… O boi mais famoso de Viana era o do Valentim. Eram feitas as apostas para a passagem do boi pelo Canto Grande, esquina das ruas Grande e Cônego Hemetério. O valor das apostas era um barril de cachaça. O boi vinha completamente molhado para resistir ao fogo. Os negros, também molhados, vinham descalços para facilidade dos pulos. Os rapazes se ajuntavam nas esquinas, municiados, e quando o boi do Valentim chegava ao Canto Grande, era cercado pela frente, retaguarda e lados, entre o estrondar das bombas, foguetes, busca-pés e carretilhas, o que constituía bombardeio de muitas horas. Se o grupo do bumba-meu-boi resistia até se esgotarem os fogos, levava o barril de cachaça. No fim da brincadeira, ficava sempre queimado algum dos batalhadores…”
Nos últimos anos, depois de quase uma década esquecida, a tradicional brincadeira ressurgiu com força total, sob a liderança de um pequeno grupo de vianenses. Iniciativa essa – diga-se de passagem – merecedora dos maiores elogios, pois sempre será louvável qualquer empreendimento que tenha por objetivo a preservação de nossa história e de nossos costumes. Sem falar no grande potencial turístico que o evento possui e que, se devidamente divulgado e inteligentemente explorado, poderá trazer divisas para a cidade.

Por Luiz Alexandre Raposo (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n° 9)