Padre Eider Silva

A história de vida pessoal do Padre Eider Furtado da Silva se entrelaça e se  confunde com a própria história religiosa do povo vianense. Menino nascido no Barro Vermelho (atual Cajari), a 27 de janeiro de 1917, Eider chegou em Viana no ano de 1928, aos onze anos de idade. Vinha acompanhando sua irmã, a  professora normalista Edith Nair, a qual passara uma temporada de três anos lecionando na vizinha cidade de Monção.

Por essa época, o pai já havia falecido. Sua mãe e os outros irmãos mudaram-se, então, para Viana, reunindo-se novamente a família na mesma casa, onde o Padre Eider residiu até seus últimos dias. Na nova cidade concluiu o curso primário na antiga Escola Mista Estadual, após uma passagem pela Escola Proletária Vianense, instalada no prédio da Prefeitura e dirigida pelo professor paraense, Nicanor Azevedo. Mais tarde se tornaria aluno do famoso Instituto Dom Francisco de Paula e ainda receberia aulas particulares de francês e português com o promotor e o juiz da cidade.

Passado esse período e sem nenhuma outra perspectiva de ampliar os estudos, pois a família não tinha condições de mandá-lo para São Luís, retornou ao Barro Vermelho, a fim de ajudar o irmão Benedito, no comércio. Um belo dia foi surpreendido com uma carta do padre Manoel Arouche, oferecendo-lhe a possibilidade de estudar no Seminário Santo Antônio, desde que não abandonasse os estudos antes do 3º ano. Proposta aceita, o jovem Eider ingressou no conceituado seminário em fevereiro de 1937, aos vinte anos de idade. Ali se abririam as cortinas para uma nova vida e novos horizontes.

Ordenado padre, seu primeiro trabalho foi como cooperador do padre Manoel Arouche em Viana. O cargo incluía uma ajuda ao velho vigário de São Vicente Férrer, Monsenhor Bráulio, tio legítimo do pároco vianense. Com a morte do Monsenhor, ocorrida em 1951,  padre Eider foi designado para aquela paróquia (que abrangia também a cidade de Cajapió). Foram oito anos tranquilos de pregação evangélica no seio daquelas comunidades isoladas. Obediente à santa madre igreja, sua pastoral guiava-se pelo modelo antigo: ladainhas, missas, batizados, casamentos e as tradicionais desobrigas pelos povoados.  Em fevereiro de 1959, o bispo Dom Delgado ordenou sua volta com a missão de preparar, juntamente com os padres da região, a criação da diocese de Viana. Estava por vir o cálice amargo de sua maior provação.

Antes da chegada festiva do primeiro bispo, Dom Hamleto de Angelis, em 1963, aconteceria o  contato revolucionário com a primeira equipe  da AFI (Auxiliares Femininas Internacionais):  Guadalupe, Maria Stuart e Tereza. Portadoras, em Viana, dos ventos novos do Concílio Vaticano II e da iminente transformação da Igreja Católica, a convivência com essas missionárias foi transformadora. O próprio padre Eider reconhecia isso: “Até aquela época, eu era um sacerdote típico do interior. Não lia nada. Apenas jornais, quando me chegavam às mãos. Foram essas missionárias da AFI, as responsáveis pelo meu despertar. Elas me emprestavam livros e sugeriam determinadas leituras. Foi aí que passei a olhar o mundo e  minha missão sob nova ótica.”

Veio Dom Francisco Hélio Campos, o 2º bispo, para reforçar e direcionar melhor ainda sua opção pelos pobres e oprimidos. Padre Eider percebia, a cada dia, maior sentido e  maior dimensão na sua vocação sacerdotal. Nesse tempo foi designado para a Paróquia de Matinha, onde iniciaria uma pastoral de compromisso e solidariedade com o povo mais sofrido.

Entretanto, na medida em que a nova pastoral alcançava os camponeses da região, a atuação da igreja católica de Viana começava a incomodar os fazendeiros e latifundiários. O desaparecimento prematuro de Dom Francisco, seria a deixa oportuna para aqueles que não viam com bons olhos a conscientização gradativa dos menos favorecidos. Em 1975, ainda em plena ditadura militar, “um bispo de encomenda” foi escolhido para aquela diocese, que se tornara incômoda aos interesses dos mais poderosos.

O terceiro bispo, Dom Adalberto, mostrou de pronto para o que viera: sua posse, prestigiada pelo filho da terra, General Florimar Campelo, não deixava nenhuma dúvida. Em pouco tempo, o conflito se instalou. Por  não se dobrar aos desmandos ditatoriais do novo e reacionário pastor, padre Eider deslanchou uma crise nos bastidores da igreja vianense, a qual culminaria na sua arbitrária excomunhão. Perseguido e espoliado, sofreu na carne os dissabores só reservados aos verdadeiros profetas de Deus: “Foi uma época terrível que tive de enfrentar sozinho. O povo, influenciado pelo bispo, se voltou contra mim. Diziam que eu era um padre comunista. De repente me vi completamente só e marginalizado, até por aqueles a quem julgava meus amigos. As pessoas passaram a me evitar, algumas deixaram até de me cumprimentar. A família do Sr. Zezico Costa foi uma das poucas que soube me apoiar nesse período difícil,” costumava desabafar padre Eider.

Depois de passado todo o vendaval e do afastamento do bispo tirano, padre Eider reconquistou seus direitos canônicos e o respeito da comunidade, tornando-se, involuntariamente,  uma espécie de memória viva da cidade. Sua casa era ponto obrigatório para jovens estudantes ou pesquisadores em busca de referências e informações mais seguras sobre a história do município. Coisas da capacidade remediadora do tempo, só testemunhadas por aqueles que alcançaram a longevidade.

Membro fundador da Academia Vianense de Letras, onde ocupava a Cadeira de nº 2, patroneada pela própria irmã, Edith Nair Furtado da Silva,  o sacerdote faleceu em Viana, no dia 9 de novembro de 2009, aos 92 anos. Seis meses após seu desaparecimento, em maio de 2010, a AVL lhe prestou merecida homenagem póstuma, elegendo-o como patrono da Cadeira n° 29.

Por Luiz Alexandre Raposo