POÇO DO PARÁ

Ignorado pela administração pública, em 28 de janeiro de 2006, o poço foi restaurado pela Fundação Conceição do Maracu, através da iniciativa do autor desta matéria. A obra de restauração recebeu o patrocínio do empresário José Xexéu

 

A construção do Poço do Pará remonta há quase três séculos, quando da chegada dos primeiros colonizadores. Por situar-se no local onde se iniciava a estrada que ligava o Maranhão ao Pará, recebeu a denominação “Poço do Pará”, denominação esta conservada até os dias atuais conforme atesta o professor Antônio Lopes: …O Caminho Grande nada mais era, na sua origem, do que a estrada que os jesuítas abriram para atravessar a região entre o Pindaré, o Turiaçu e o Gurupi, visando chegar ao Pará ou à região aurífera dos limites desse Estado com o Maranhão. Sobre esta estrada há referências em documentos e crônicas dos tempos coloniais, principalmente jesuíticos. Um poço de água potável, que é a fonte pública de Viana, situado no Caminho Grande, ainda conserva a denominação Poço do Pará. Ouvimos de muitas pessoas antigas de Viana que o Caminho Grande se chamava outrora Estrada da Companhia, o que é uma clara reminiscência dos jesuítas, fundadores da aldeia de Nossa Senhora da Conceição do Maracu (Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão/César Augusto Marques; 3ª ed. – São Luís: AML, 2008. p.294)

 

Na mesma obra, o autor César Augusto Marques fornece duas importantes informações sobre a construção dessa via terrestre que ligava os dois Estados. Na primeira, reportando-se ao Caminho ou Estrada do Maranhão ao Pará, diz que: O governador D. Fernando Antônio de Noronha, em 1° de janeiro de 1794, participou para Lisboa que em consequência das ordens de Sua Majestade tinha mandado abrir uma estrada para a comunicação desta capitania com a do Pará, declarando-lhe agora o marechal-de-campo Antônio Correia Furtado de Mendonça, encarregado desta diligência, que a estrada estava concluída até o rio Turiaçu.Ordenou D. Fernando que a estrada aí parasse, por não dever continuá-la, visto ter entrado na capitania do Pará.
A segunda informação, referindo-se ao trecho da mesma estrada, situada dentro dos limites territoriais do Estado vizinho, relata o seguinte: Caminho ou Estrada do Pará ao Maranhão. O governador do Pará, D. Fernando de Ataíde, notando, em 1768, o rápido decrescimento da produção do gado em Marajó, e vendo a população necessitada de carne e farinha, resolveu, no ano seguinte, abrir uma estrada da vila de Ourém pela mata da aldeia de Maracu a findar nos campos do Mearim, para a expedição das boiadas do Maranhão e Piauí, sendo deste serviço incumbido um tal Albuquerque. Em 11 de junho do mesmo ano dizia o governador que aquela estrada estava já feita em metade de sua extensão.
Tais informações tornam indiscutível o fato de que o caminho ou estrada que ligava o Maranhão ao Pará, nos tempos coloniais, realmente existiu. Quanto à antiguidade do poço, já defendida por Antônio Lopes, é justamente o irmão deste, Raimundo Lopes, quem vem reforçar a tese de que a existência daquela fonte de água potável remonta mesmo ao período de construção e utilização do Caminho do Pará.
No livro “Uma Região Tropical” (Cia. Editora Fon-Fon e Seleta; Rio de Janeiro, 1970. p. 190), Raimundo Lopes pronuncia-se sobre o caso com uma nota de rodapé: Os jesuítas exploraram o Pindaré lutando contra o mururu e descendo o gentio guajajara; e abrindo uma estrada da sua missão do Maracu (Viana) através dos vales do Turi, do Maracaçumé e do Gurupi, até Ourém, no Guamá; e o “caminho grande” ou do Pará, cujo nome sobrevive num poço, em Viana, à entrada do mesmo caminho, dito ainda hoje “poço do Pará”.
Há dúvidas, no entanto, se o caminho utilizado pelos jesuítas seria o mesmo por onde passou a estrada de iniciativa dos governos do Maranhão e Pará, embora não se questione que o poço do Pará, em Viana, era o ponto exato onde os usuários chamados boieiros paravam para descanso, beber água, abastecer e depois seguirem destino.

Monumento histórico – O Poço do Pará, portanto, é um monumento histórico que não pode ser afastado de nossa memória, faz parte de nossa cultura e do nosso cotidiano, haja vista que durante longos anos abasteceu a cidade de água pura e saudável.
Em 1882, por exemplo, ao denunciar o problema da água potável em Viana, o jornal A Ordem, (n° 61, datado de 7 de novembro daquele ano) já se reportava à necessidade de maiores cuidados no uso do referido poço: A cidade recente-se da falta de água potável, pois que não temos fontes naturaes alem do poço denominado do Pará, onde a maior parte da população se abastece, por ser a melhor e mais próxima da cidade. Para conservar-se esta fonte que já se achava quazi obstruída por sua antiguidade, mandou a Camara Municipal fazer grandes reparos, com o que despendeu não pequenos capitaes, mas não tomou todas as precauções afim de que se torne útil á população este beneficio publico. Abandonada a fonte, tomarão conta as lavadeiras e pessoas circunvizinhas e é junto ao bocal do poço onde ensaboão as roupas e as estendem. Os sáes que contem o sabão muito prejudicão as águas e a continuar-se com as lavagens, em breve ficarão elas detrioradas. O que convem por tanto é que a Camara tome providencias, mandando fechar o poço e que só seja aberto á hora que entender necessaria, devendo ter uma pessoa, das que próximo rezidir, a quem encarregue desse serviço. Só assim poderá evitar as continuas lavagens de roupa, que alem do mais, são prejudiciaes a salubridade publica.

Fonte de água potável – Tanta preocupação com o poço do Pará, no passado, tinha sua razão de ser, pois os poços vianenses nunca produziram água de boa qualidade para dessedentação humana.
Certamente pela proximidade do município com o litoral (menos de 100 km em linha reta), nossos mananciais hídricos subterrâneos sempre produziram água salobra que servia apenas para usos domésticos (cozinha, banho, lavagem de roupas, etc.) e dessedentação de animais.
Desse modo, além do poço do Pará, ficariam famosos também na cidade os poços da Mousinha e do Ciroula, os quais forneceram água potável para matar a sede da população, durante décadas e mais décadas. Nesse tempo não muito distante, vendedores ambulantes da água retirada desses poços abasteciam diariamente as casas das famílias vianenses. Acompanhados por um animal que transportava o precioso líquido em potes ou latas de querosene, os vendedores percorriam toda a cidade, oferecendo o produto oriundo de um desses três poços.
Nos dias atuais, o poço do Pará resiste à deterioração, em meio à quase completa indiferença dos vianenses. No entanto, tratando-se de um verdadeiro patrimônio da cidade, deveria ter sua importância histórica melhor difundida no seio da população local, principalmente junto à classe estudantil.

Por José Raimundo Santos  (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n° 28)