Por quem dobravam os velhos sinos da Matriz…

Os valiosos sinos, tombados como Patrimônio Cultural do Maranhão pelo Conselho Estadual de Cultura, em sessão do dia 11/5/1992, cujo decreto foi assinado pelo então governador Edison Lobão


 

Provavelmente a história dos sinos da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Viana não possui similar em todo o mundo. Fundidos na fábrica da Rua Augusta, em Lisboa, no ano de 1848, os sinos acompanharam a caminhada do povo vianense por quase um século e meio. Segundo relatos dos mais antigos, esses sinos repicavam tantos nos momentos festivos e importantes – como a vitória do Brasil na Guerra do Paraguai (1869), a abolição da escravatura (1888) ou o final da II Guerra Mundial (1945) – como igualmente nos momentos de infortúnio, conclamando os habitantes da antiga Vila (e depois cidade) para árduas tarefas de combate aos incêndios e outras calamidades.

 

Gerações e gerações de vianenses, portanto, tiveram suas vidas embaladas pelo repicar dos sinos no alto da Matriz. Travassos Furtado (1912-1990), por exemplo, contava ter vivido toda sua infância sob os acordes desses instrumentos de bronze, cuja sonoridade, segundo o poeta e escritor, excedia a de todos os demais sinos existentes no Maranhão.

No final da década de 1970, os dois históricos sinos foram retirados do campanário da torre da igreja e substituídos por um novo par de instrumentos. Motivo: um dos sinos apresentava uma pequena rachadura, o que prejudicava sensivelmente o repique sonoro do conjunto. Por essa época, a Diocese de Viana era dirigida por D. Adalberto de Paula e Silva.

A venda criminosa – Em 1982, descobriu-se que os sinos não mais se encontravam em Viana, pois no ano anterior haviam sido adquiridos pelo governador João Castelo e incorporados ao Patrimônio Cultural do Estado, em São Luís. O autor da venda ilegal foi o bispo D. Adalberto e o valor recebido pelas peças foi de Cr$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros antigos). Descobriu-se ainda que os sinos tinham sido transportados para a capital num caminhão da Cervamar, em meio a grades de vasilhames da extinta Cervejaria Maranhense, para não despertar a atenção das pessoas. 

O difícil resgate – Deflagrou-se a partir daí uma campanha pela recuperação dos sinos, a qual contaria com a adesão de vários vianenses radicados em São Luís e fora do estado. No Rio de Janeiro, cientificado do ocorrido pelo Padre Eider Silva, o jornalista Benedito Francisco Silva aliou-se à conterrânea, Dilú Mello, nessa empreitada que se arrastaria por longos cinco anos. Na capital maranhense, o então recém-formado advogado Francisco José Pinto Silva mostrou-se incansável no enfrentamento da burocracia da administração pública.

Mesmo após inúmeros apelos e solicitações formais dos vianenses (incluindo denúncias na imprensa), a máquina administrativa estadual mantinha-se impassível. Foi necessário apelar para a mídia nacional, a fim de forçar os dirigentes maranhenses a devolverem os sinos ao povo vianense. 

O apoio da Hebe Camargo – No Rio de Janeiro, Dilú Mello telefonou para Hebe Camargo (amiga de longas datas que, na época, apresentava seu programa semanal na TV Bandeirantes), solicitando sua ajuda, no que foi prontamente atendida: a produção do programa designou o jornalista Saulo Gomes para fazer uma matéria sobre o caso dos sinos, exibida em dezembro de 1983.

No final da reportagem, a própria Hebe fez o apelo de público: Devolvam os sinos de Viana. Devolvam os sinos da cidade de minha amiga Dilú Mello. Em questão de minutos, o programa obteve a resposta do Governo do Maranhão, através de um telefonema do então secretário de Cultura, Joaquim Itapary, comunicando a decisão do governador Luiz Rocha de devolver os sinos à igreja de origem. 

A volta dos sinos – Arrastando-se lentamente, a burocracia da administração pública só liberou os sinos, em regime de comodato, quase três anos e meio depois da promessa feita ao vivo no programa da Hebe Camargo.

Finalmente, no dia 6 de junho de 1987, os sinos retornaram a Viana, sendo recebidos em festa pela comunidade local. Guardados inicialmente no Fórum da cidade, os instrumentos só obtiveram sua exposição pública cinco anos depois, quando a Secretaria de Cultura do Estado mandou construir um pequeno campanário no jardim da Prefeitura, inaugurado em 4/7/1992.

Mal projetado, entretanto, o campanário de alvenaria não suportou por muito tempo o peso dos dois sinos que, esquecidos novamente pela população e pelos dirigentes municipais, foram guardados no prédio da Merenda Escolar por vários anos, até que o bispo atual, D. Xavier Gilles, mandasse recolhê-los ao Palácio Episcopal. 

O novo campanário – Em dezembro último, depois de insistentes pedidos do Comitê de Defesa do Patrimônio Histórico de Viana à Secretaria de Estado da Cultura, por intermédio do DPHAP, um novo, mais alto e mais resistente campanário de madeira pau d’arco foi construído ao lado da Matriz, a fim de que os sinos tradicionais possam ser admirados, evitando assim que a memória vianense esqueça dessas peças tão importantes para o acervo histórico da cidade. 

* Para saber mais sobre a venda e a recuperação dos sinos, consulte o livro “Dilú Mello – Um expoente da Música brasileira” (pág. 263 a 274).

Por Luiz Alexandre Raposo (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n° 19)