Dom Hamleto di Angelis

No dia 7 de janeiro de 1919 nascia na pequena Artena, região do Lácio pertencente à província de Roma, na Itália, um menino que se chamaria Hamleto.  De família pobre, criado sob forte influência religiosa, o menino cresceu sonhando em ser um missionário de barbas compridas como aqueles que passavam por sua cidade.

Aos dez anos, o garoto foi encaminhado por uma freira de Caridade ao Seminário dos Missionários do Sagrado Coração, a fim de iniciar o longo caminho de estudos e preparação para se tornar um padre. Não foram poucas as dificuldades enfrentadas, pois segundo seu próprio testemunho “o caminho era árduo e exigia renúncias”.

Em plena II Guerra Mundial, no dia 18 de julho de 1943, ele recebeu a ordenação sacerdotal, em Roma, aos 24 anos de idade. É do punho do próprio D. Hamleto, as palavras que seguem, relembrando o horror enfrentado no dia seguinte: “Impossível esquecer aquele 19 de julho de 1943, dia de minha Primeira Missa, quando a cidade de Roma foi, durante três horas, impiedosamente bombardeada pelos aviões aliados, semeando destruição e morte.”

Três anos depois, em março de 1946, era chegado o momento de partir para trabalhar no Brasil, concretizando assim o sonho de infância de se tornar um missionário.  A guerra havia terminado havia poucos meses e ele deixava, atrás de si, seu país e toda a Europa em ruínas. Mas “a saudade de deixar a terra natal era suplantada pela alegria de uma nova pátria que vinha ser a minha terra por opção”, conforme diria Dom Hamleto em sua 1ª Carta Pastoral, dirigida à população de Viana, quase 20 anos depois.

Em terras brasileiras, mas especificamente no Maranhão, o jovem religioso chegava para auxiliar sua Congregação que havia acabado de assumir a Prelazia de Pinheiro. E assim se passaram 17 anos de trabalhos, divididos entre Turiaçu e, mais tarde, São Luís, onde foi pároco da Igreja de Santana, até receber a comunicação de sua nomeação, pelo Papa João XXIII, como 1° bispo da Diocese de Viana.

Sagrado bispo em 14 de julho de 1963, aos 44 anos, Dom Hamleto iniciou a preparação para aquela que seria sua última missão: velar pelas almas de uma nova Diocese imensa e populosa e de pouquíssimos operários para ajudá-lo na grande tarefa. Enquanto isso, em São Luís, dezenas de telegramas e cartas chegavam de Viana para lhe expressar a felicidade e as esperanças de um povo cristão carente de um novo líder.

Chegou o tão esperado dia. Naquela manhã de 4 de agosto de 1963 parecia que uma aura pairava sobre a população de grande maioria católica. Praticamente nada abalara o fervor religioso do povo vianense que, duas décadas antes, havia impressionado de tal forma o arcebispo de São Luís, Dom Carlos Carmelo, que o fez sugerir ao Vaticano a criação de uma diocese em Viana.

A cidade inteira se preparara para aquele momento histórico e solene: praticamente todas as residências e casas comerciais haviam sido pintadas e durante mais de um mês várias equipes trabalharam incansavelmente na organização da recepção ao seu primeiro bispo. Foi uma festa de genuína alegria cristã que jamais será esquecida por quantos a testemunharam.

Preocupando-se principalmente com a educação dos jovens vianenses e com a pobreza da população espalhada pelos campos, povoados e demais cidades da Diocese, Dom Hamleto arregaçou as mangas para enfrentar os novos desafios. Eram tempos difíceis. Não havia telefones nem estradas permanentes ligando os municípios, o que tornava as viagens demoradas e cansativas. Mesmo com a saúde debilitada, pois desde Turiaçu sentira os primeiros sintomas da terrível doença que lhe roubaria a vida, ele percorreu todos os cantos da Diocese, alcançando até as ovelhas mais dispersas do imenso rebanho.

Após acatar a decisão do Conselho Paroquial de Viana que elegeu a criação do curso normal como prioridade n° 1 para a cidade, Dom Hamleto buscou ajuda financeira no exterior, inclusive na Itália, para custear a fundação da Escola Normal N. S. da Conceição (atual Centro de Ensino Médio). Seu objetivo era ampliar a perspectiva de formação da juventude local, visto que naquela época Viana contava apenas com quatro escolas do ensino primário e o então recém-fundado Ginásio Professor Antônio Lopes. O religioso almejava também formar professores cristãos que pudessem atuar como apóstolos tanto em sala de aula como no seio de toda a coletividade.

Com a saúde seriamente comprometida em pouco mais de três anos de trabalhos e peregrinações, o bispo precisou retornar à Itália em busca de melhor tratamento para a leucemia já diagnosticada pelos médicos. Não mais retornaria para pastorear seu rebanho, falecendo, em Roma, no dia 25 de fevereiro de 1967, aos 48 anos de idade.

Em seu leito de morte, depois da abençoar a Escola N. S. da Conceição, através de uma fotografia, pronunciou suas últimas palavras: “Ofereço minha vida para Viana… só o que Deus quer…”

A AVL prestou assim merecido reconhecimento à memória de Dom Hamleto de Angelis ao oficializá-lo como patrono da Cadeira n° 31.

Por Luiz Alexandre Raposo