Edith Nair Furtado da Silva

“Nesta casa residiu e faleceu em 09/11/1992 Edith Nair Furtado da Silva, notável professora de várias gerações de vianenses.” 

O registro acima transcrito se lê numa pequena placa de cor azul fixada na parede de frente da casa nº 166 da Rua Dom Hélio Campos, na cidade de Viana. Outras placas sinalizam também outros prédios onde moraram os demais patronos da recém-criada Academia Vianense de Letras.

Realmente residiu nessa casa Edith Nair Furtado da Silva desde o ano de 1928, quando foi nomeada professora da Escola Primária de Viana. Nascida no Barro Vermelho (hoje cidade de Cajari), em 28/06/1904, Edith, terceira dos sete filhos de Francisco da Silva Sobrinho e Maria Furtado da Silva, fez o curso primário na Escola Mista Estadual de Barro Vermelho, regida pela então professora Filomena S. da Silva Barbosa. Em seguida, foi para são Luís, sob as expensas de seu tio e padrinho Coronel Nelson Serejo de Carvalho, a fim de continuar os estudos, iniciando-os no conceituado Instituto Rosa Nina e continuando no Colégio Santa Tereza. Em 1925 concluiu o curso normal, sendo nomeada, no mesmo ano, como professora da Escola Mista de Monção, cidade em que morava e era chefe político o seu tio Nelson.

Após a morte do Cel. Nelson, em cuja casa morava em Monção, e com o falecimento também de seu pai, conseguiu a jovem normalista transferir-se para Viana, trazendo consigo sua mãe e os irmãos do Barro Vermelho. A família veio residir no antigo e já arruinado prédio, onde seu genitor se criara e o qual herdara do tio e pai adotivo, Francisco Raimundo da Silva, conhecido por Chico Gato, gracioso epíteto passado aos seus descendentes. É nesse prédio que se encontra a placa acima citada.

A professora Edith lecionou em todas as principais escolas de seu tempo em Viana. Logo após sua chegada assumiu a cadeira de Francês no Instituo Dom Francisco de Paula. No Grupo Escolar Estevam Carvalho exerceu a função de secretária e durante cerca de quinze anos encarregou-se da turma concludente, a 5ª série. No Grupo Escolar Dom José Delgado, no período de 1950/1966 lecionou e por fim também se tornou diretora. Ensinou ainda no Ginásio Bandeirantes, no Dom Hamleto de Angelis e na Escola Normal Nossa Senhora da Conceição. Foi professora do Ginásio Professor Antônio Lopes desde junho de 1964, tornando-se sua diretora de 1969 a 1972.

Sempre ávida de maiores conhecimentos, sobretudo na disciplina de sua preferência, Geografia, participava sempre que lhe era possível de cursos, reciclagens etc. No último deles, promovido pela Companhia de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário, realizado em são Luís, recebeu expressiva homenagem por parte do orientador, professor Kalil Mohana, que tinha sido seu aluno em Viana.

No curso primário, Edith foi minha professora. E me considero feliz de ter sido seu aluno. Ela era professora-mestra na escola, em casa, na família. Por ter sido o irmão que mais privou da sua companhia, em particular no período da adolescência, guardo dela imorredouras lembranças. Dentre outras, recordo-me que, após um pequeno castigo que me impôs na escola, disse: “A justiça para ser boa deve começar pelos de casa.” Do castigo, porém, eu não gostei. Afeiçoado ao uso da colher nas refeições, tive muita dificuldade em aprender, quando menino, a manejar o talher e passar a usá-lo nas refeições com a recomendação, nada fácil, de não ficar em “posição de quem quer voar”. Ainda garoto aprendi com Edith que o número 14, embora se escreva quatorze deve-se pronunciar catorze. Cheguei a viajar com ela, através do Mapa Mundi, pelo Mediterrâneo, mar Cáspio, Cordilheira dos Andes, Rússia e mundo afora. Só não tive a sorte de seu ex-aluno, Lourival Serejo, que conheceu e viu in loco lugares e cenas por ela descritos em sala de aula, como narra neste trecho de seu livro “Do Alto da Matriz”:

Dona Edith… professora tão completa que se torna difícil encontrar um adjetivo capaz de resumir seu talento. Seus méritos e competência foram reconhecidos em vida, por todos os seus alunos e colegas de magistério. Todo seu corpo participava das suas aulas. Ela tentava colocar a Cordilheira dos Andes, os oceanos, o Saara, o Mediterrâneo, os continentes, tudo na nossa cabeça como num passe de mágica e, nessa caminhada, nós virávamos alpinistas, beduínos e exploradores; só quando acabava a aula é que nos descobríamos sentados numa carteira. O lago Titicaca, a Sibéria, os Pirineus, Vladivostock, a Ilha de Páscoa, todos os acidentes geográficos, e Dona Edith mostrando para nós a particularidade de cada um. Na verdade, ela os mostrava, com todas as cores. Suas aulas de geografia eram como um filme que ia passando. Empolgando e impressionando. Seus óculos escuros, nos dias de prova, eram incerteza da vigilância. Para que lado ela estava olhando?

Muito tempo depois, tive uma experiência que reforçou ainda mais minha admiração por ela. Indo a Manaus, participei de uma excursão turística ao encontro das águas do Rio Negro com o Solimões. Admirei aquele fenômeno, mas não senti a mesma empolgação que, na sala de aula, sentira ao ouvir Dona Edith descrever o embate das duas águas. Despertou-me, então, uma curiosidade: será que ela tinha estado lá? Depois fui informado pelo padre Eider, seu irmão, de que ela nunca estivera em Manaus. Fiquei impressionado.”

A educação religiosa herdada de sua família e aprimorada pelas Irmãs Dorotéias, no Colégio Santa Tereza, além de torná-la católica praticante, fê-la atuante auxiliar nos trabalhos da Igreja. Foi durante muitos anos catequista na escola e na paróquia. Foi também membro efetivo de Associações como as de São José, Coração de Jesus, Pia União das Filhas de Maria e Legião de Maria.

Já no ocaso de sua vida, viu-se Edith, de certo modo, privada de suas atividades na igreja, primeiramente por ser, como o foi toda a família, solidária à minha pessoa, a maior vítima da inconcebível e descabida situação criada pelo bispo de então contra os agentes de pastoral – padres, freiras e leigos – que seguiam a linha de trabalho de seu falecido antecessor. Depois, também, para poder prestar melhor assistência à nossa mãe, a quem acompanhou com todo desvelo e amor até o fim de seus dias. E por fim, em razão do agravamento do seu próprio estado de saúde que a prendeu ao leito até seu falecimento. A sua fé, porém, nuca se arrefeceu. Ao contrário, cada dia tornava-se mais viva e amadurecida.

No dia da morte de Edith, durante o velório realizado em nossa casa, com a ajuda do Monsenhor Wilson Cordeiro e dos padres Venâncio Pereira e José Ribamar Costa, concelebramos uma missa de corpo presente. Na ocasião, sua ex-aluna, professora Maria Vitória dos Santos, fez um belo pronunciamento, do qual transcrevo o último parágrafo:

“Dona Edith….Viana dificilmente terá a glória de contar com outra professora de Geografia do seu porte e quilate. Nunca haveremos de esquecer da felicidade com que a senhora usava o quadro e o giz, para desenhar os mapas dos continentes ou mesmo dos países que estávamos a estudar. Com a senhora a gente viajava e conhecia o mundo, e como a senhora nos ensinou que as estrelas têm suas cores determinadas pelos anos luz, a sua estrela deverá brilhar bem forte iluminando as mentes dos seus ex-alunos no futuro.”

Outra ex-aluna, professora Maria da Conceição Alves Reis, fazendo parar o enterro de Edith, quando o cortejo passava em frente ao Ginásio Professor Antônio Lopes, proferiu as seguintes palavras:

“Professora Edith, a voz do Colégio Antônio Lopes não poderia deixar de ser ouvida neste dia de sua passagem para a eternidade. Hoje um misto de saudade e de tristeza domina os seus conterrâneos e os seus ex-alunos.

Muitas gerações, que por aqui desfilaram, ouviram atentas os seus ensinamentos. O mundo ficava bem menor e sem barreiras, durante suas aulas de geografia.

Recebe, professora Edith Nair Furtado da Silva, o preito da nossa homenagem traduzida em nome daqueles que lhe ouviram e lhe amaram. Que junto de Deus, a senhora descanse o sono dos justos, velando sempre pela juventude de nossa terra.”

Por iniciativa de notáveis filhos de Viana foi fundada, nesta cidade, e instalada no dia 4/05/2002 a Academia Vianense de Letras. Na relação, escolha e distribuição dos nomes para servirem de patronos às quarenta cadeiras da AVL, coube à professora Edith Nair Furtado da Silva a patronímia da cadeira nº 2.

Por Padre Eider Furtado da Silva