PLANTIO DE ARROZ: ATIVIDADE DANOSA AO LAGO DE VIANA

 

Nas minhas pesquisas e estudos das águas vianenses, percebi e deflagrei muitos impactos socioambientais de vários tipos e magnitudes. Nos últimos anos tenho me preocupado, em especial, com o cultivo de arroz no lago de Viana, prática de extremo risco não somente para o ambiente lacustre como igualmente perigosa para a saúde pública, além de provocar o colapso da subsistência das comunidades mais carentes. É, portanto, na qualidade de professor-pesquisador, de cidadão vianense e de profissional comprometido com minha formação, que registro aqui este apelo: o plantio de arroz no lago precisa ser cessado o mais rápido possível ou, pelo menos, que não seja plantado neste ano de 2012. 

Com o objetivo de fundamentar tal apelo é que transcrevo a seguir, embora de forma sucinta, as conclusões das minhas pesquisas.

Laudo técnico-científico: Muito diferente e mesmo assim muito confundido com o arroz irrigado, o arroz de várzea consiste na lavragem dos solos das planícies de inundação de rios ou lagos de água-doce, que por sua natureza, concentram altos potenciais de nutrientes, renovados naturalmente pelos ciclos de cheias.

Embora a prática do cultivo de arroz nos lagos de reentrâncias da Baixada Maranhense se mostre bastante promissora para o aumento da produção agrícola e da promoção de novos postos de trabalhos temporários, esta atividade se faz tão danosa para o meio ambiente e tão ameaçadora para o bem-estar social, a ponto de superar os malefícios da pecuária bubalina ou de qualquer outra atividade.

Sobre o cultivo de arroz de várzea na Baixada Maranhense, estudos efetivados por Fernandes e outros pesquisadores, publicados em 2007, afirmam que… provoca grandes danos ambientais, pois acelera o assoreamento de rios e lagos tendo impacto sobre diversas espécies da fauna e  da flora”. No sistema lacustre vianense essa atividade pode produzir efeitos mais drásticos ainda. Esta condição diferenciada se dá por conta de quatro fatores cruciais que caminham juntos:

1º) a proximidade das nossas águas-doces com o litoral: O que muitas pessoas não sabem é que Viana é um município costeiro. A influência marítima se dá fortemente em alguns povoados como Beira da Baixa, Guaratuba, Capim-Açú e outros. De forma mais branda, estes efeitos chegam pelos rios Pindaré e Maracu e trazem marés salobras para as adjacências de alguns povoados marginais aos cursos fluviais, como Cachoeira, Recanto e Santa Tereza. Isso acontece de maneira mais perceptível no período das secas, pela ação das marés que, encontrando um baixo nível de águas nos rios Pindaré, Maracu e lagos de Viana, trazem movimentos de fluxo e refluxo para estas águas.

No município de Viana ocorreram algumas catástrofes naturais no século passado, quando as marés invadiram os rios e lagos vianenses e causaram impactos socioambientais em cadeia. Segundo Ezequias Cutrim (no livro sobre memórias de Itans), a última e mais drástica delas ocorreu entre os anos de 1981 e 1982, quando o enfraquecimento das águas doces, que sobraram da seca rigorosa, não foram suficientes para conter a devastadora força das águas impulsionadas pelo oceano Atlântico.

2º) pela perda potencial de água-doce durante a permanência dos arrozais no ambiente lacustre: Outro fator crucial, e que muitos desconhecem, é que o arroz tem uma capacidade exorbitante de absorver água, ou seja, sua capacidade de sugar a água dos ambientes é considerada crítica e também superior a qualquer outra cultura agrícola, conforme mostram pesquisas do Laboratório de Hidráulica e Irrigação da Universidade Federal do Ceará.

Essa diminuição gradual de água imposta aos lagos vianenses, os quais precisam manter seus níveis fluviométricos compatíveis com as forças das marés, torna-se um tanto perigoso diante dos fluxos delas. Particularmente neste ano de 2012, o perigo se torna ainda mais ameaçador por conta do fraco índice de chuvas observado e consequentemente do menor volume de água acolhido pelo lago. Assim, desta rasa lâmina d’água acumulada deverá ser subtraído o fluxo que será evaporado até o final das estiagens e mais o quantitativo que será absorvido pelas culturas do arroz. É desse modo que, neste próximo período seco, possivelmente nosso ambiente lacustre estará muito mais susceptível às invasões de marés salobras com seus lastros de prejuízos à flora e fauna locais.

3º) pelo crescente e cumulativo fluxo de material entulhado no assoalho dos lagos: Quando qualquer material é jogado nas águas pode ser dissolvido e transformado em matéria orgânica ou transportado para o leito dos rios e assoalhos dos lagos. Nos dois últimos processos, o material acaba compondo o enorme corpo de entulhos que gradativamente assoreia o fundo dos lagos.

As raízes e palhas dos arrozais deixadas nas margens, após cada colheita, são novos incrementos deste material de assoreamento, diminuindo dessa forma a capacidade de armazenamento d’água do lago, porque os sedimentos ali acumulados vão tomando esse espaço reservatório.

Em atividade de campo realizada em 2011, presenciei pescadores com dificuldades de trafegar com canoas por longos trechos do lago. Em depoimentos, os pescadores declararam que nos últimos cinco anos sentiram os efeitos dessa atividade danosa, pois a cada ano a redução do calado de navegação é evidentemente notada por eles.

4º) a instabilidade climática dos últimos anos: Em 2009,  observou-se a maior cheia deste século. Antes disso aconteceram cheias mais rigorosas como as de 1964 e 1977. Em estimativa feita junto aos pescadores e com medições de alguns pontos utilizados como indexadores da subida dos níveis das águas, constatou-se que, em 2009, os lagos atingiram uma média de 0,60 metro a mais daquelas atingidas nos últimos anos.

Ao contrário, 2012 foi um ano atípico, diferente de qualquer outro. Os pescadores afirmaram nunca terem testemunhado nenhum ciclo parecido. Medições feitas pela equipe de trabalho da VAL (Voluntários Ambientais dos Lagos de Viana) no pico das cheias deste ano (1ª quinzena de maio) mostraram que as águas deixaram de subir a uma média que vai de 1,80 a 2,20 metros.

É baseado, portanto, nestas conclusões, que faço este alerta aos agricultores, às autoridades vianenses e toda a população local: o plantio de arroz no lago precisa parar imediatamente. Caso isso não ocorra, provavelmente o lago de Viana sofrerá, neste ano de 2012, as consequências drásticas das invasões da água marinha em proporções nunca antes observada.

Por José Raimundo Franco (matéria publicada no Renascer Vianense, edição n° 37)