Raimundo José Nunes Mendonça

Nascido em 14 de julho de 1920, quando o município ostentava o pomposo título de “Cidade dos Músicos”, Raimundo José Nunes Mendonça, mais conhecido por Seu Nunes, criou-se numa Viana que se deixava inundar não somente pelo lago nos anos de chuvas rigorosas, mas também pelas notas melodiosas dos instrumentos musicais, que se faziam ouvir pelos quatro cantos da cidade.

O aprendizado no campo da música iniciou-se com o chocalho, aos 16 anos, em 1936, mas logo aprendeu a tocar banjo e depois bateria. “Cheguei a ser considerado o melhor baterista da Baixada. Em Penalva, naqueles tempos, quando acontecia uma festa só aceitavam se fosse eu na bateria da banda”, contava com orgulho.

Dois anos depois, entretanto, o futuro musical do jovem ainda causava incertezas ao pai, o famoso tabelião e também músico Ozias Mendonça. Foi um compadre são-bentuense, Esdras Brito, compositor e trombonista de mão-cheia, que fez desmoronar todas as dúvidas do velho Ozias: “Pode ensinar que o garoto vai dar um músico excelente, compadre. Eu garanto!”

Desvanecidas as inseguranças do pai quanto à vocação musical do filho, Seu Nunes, aos 18 anos, passou a receber auias particulares com o mestre João Reis, que lhe ensinou as primeiras notas musicais. Mais tarde, com a mudança do João Reis de Viana, as auias passaram a ser ministradas pelo poeta e tocador de contra-baixo Dominguinhos Nunes. “Não era meu parente, não. Era de outra família Nunes”, fazia questão de esclarecer.

Quase aos 20 anos de idade, veio a prova de fogo. Durante os ensaios para a tradicional e badalada festa de São Benedito, o Djalma Carbureto, que tocava piston, lhe deu a intimação: “Tu vais fazer um solo!” Seu Nunes tremeu nas bases. Até então, nunca havia provado nenhuma bebida alcólica, mas naquele dia, para criar coragem, tomou uma dose de conhaque, pouco antes da apresentação. Saiu-se muito bem. Recebeu os cumprimentos dos companheiros e o olhar aprovador do pai. Mas o melhor estava por vir: “Começou a chover namoradas por todos os lados”, costumava relembrar sorridente e feliz.

Em 1939, o pai comprou a antiga “Banda do Piloto” das mãos de Luiz Lima, neto do Maestro Raimundo Lima (apelidado de Piloto) e filho do também Maestro Temístocles Lima (autor da música do Hino Vianense). Exigente e caprichoso, Ozias Mendonça mandou trazer novos instrumentos de São Paulo, para que a banda fosse rebatizada, na festa daquele ano, com o nome de “Banda de São Benedito”. O jovem músico naturalmente tomou parte na banda do pai. No ano seguinte, outros novos instrumentos chegaram de São Paulo. Entre estes, o saxofone que lhe acompanhou até os últimos dias, conforme esclarecia: “Foi no dia 5 de janeiro de 1940 que ganhei este sax. Tem mais de 60 anos e é uma relíquia! Nunca me separei dele e não o venderia por dinheiro nenhum”.

Na década de 60, em decorrência de alguns aborrecimentos, Ozias Mendonça vendeu a histórica banda para um prefeito da vizinha Monção, chamado Antonilson Coelho Costa. Mas o novo proprietário fazia a exigência de só comprar os instrumentos, caso Seu Nunes fosse para lá, a fim de ensinar música para os novos integrantes da banda.  Seu Nunes morou dois anos em Monção, mudando-se depois com a família, em 1971, para Brasília, onde residiria até falecer. Na capital do país, logo recebeu a incumbência de reerguer a Banda da Sociedade Musical Sonata Lusíana, composta por oficiais da Aeronáutica, Marinha e da própria Polícia do Distrito Federal. Aposentou-se em 1974, mas estivesse onde estivesse, era sempre um convidado de honra da banda brasiliense para as festas do Divino.

Autor de aproximadamente 80 composições (entre valsas, choros, sambas e dobrados), Seu Nunes, como bom filho da terra, dedicou algumas de suas músicas ao torrão natal, como é o caso das valsas Viana, Minha Terra Amada e Saudades de Viana, além do dobrado Festival do Peixe e do conhecido samba intitulado Adeus, Viana (não confundir com a música de mesmo nome de autoria de Carlos Nina Cutrim), na qual diz. Adeus Viana/ Adeus minha terra natal/ Eu vou a Brasília/ Vou conhecer a Capital Federal/ Eu vou p’ra bem longe/ Do meu querido lugar/Tenho esperança em Jesus/ Que algum dia hei de voltar, pra cá… Para não perder os laços que o ligam ao berço natal, religiosamente visitava a cidade quase todos os anos, entre os meses de julho a outubro. Retornava a Viana para rever os amigos, recordar os velhos tempos e ensinar música para as novas gerações de vianenses.

Casado com D. Maria José Penha Mendonça, pai de 9 filhos, 26 netos e 8 bisnetos, Seu Nunes, era uma verdadeira enciclopédia da história da música vianense, tornando-se por direito incontestável um imortal da Academia Vianense de Letras. Era o titular cadeira nº 17, cujo patrono é o maestro Onofre Fernandes, a quem conheceu pessoalmente e por quem nutria profunda admiração.

Falecido na capital do país, em 4 de julho de 2011, dez dias antes de completar 91 anos, o maestro e compositor foi sepultado com o capelo da Academia Vianense de Letras, conforme desejo expresso à sua família.

Por Luiz Alexandre Raposo